domingo, 20 de setembro de 2020

LIMA DE FREITAS – VIEIRA DA SILVA e os seres dos espelhos (VI)



LIMA DE FREITAS
(Setúbal, Portugal, 1927 — Lisboa, 1998)
Pintor, desenhador, escritor

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Lima de Freitas é considerado um “Artista Total”, com um importante percurso criativo e humanista na cultura portuguesa contemporânea: pintor, ilustrador, ensaísta e brilhante investigador. Foi membro fundador da CIRET em Paris, a partir de 1992 da Comissão Consultiva junto da UNESCO para a transciplinaridade. É autor de ensaios e livros sobre temas de semiótica visual, estética e simbologia, bem como de inúmeros escritos sobre arte.
Fonte: “Centro Português de Serigrafia” (excerto)

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VIEIRA DA SILVA E OS SERES DOS ESPELHOS (VI)

(continuação)


Um dos eixos temáticos importantes da obra de Vieira da Silva é, sem dúvida, o da Cidade. Talvez nenhum outro pintor, vivo ou morto, tenha entendido tão intimamente, tão extraordinariamente, a dimensão fascinantes das grandes cidades, que tanto se pode exprimir de forma positiva como de forma negativa: ambivalência que é a regra dos grandes símbolos, antigos ou modernos.

Desde que deixou os azulejos, as vidraças coruscantes, as fachadas azul faiança da sua Lisboa de nascimento e de meninice, a pintora ganhou poderes supranormais de visão para surpreender a proliferação das ruas, das praças, dos cruzamentos, das avenidas, das pontes, dos desníveis, dos túneis, das passagens, dos becos… 

O espectáculo assim revelado assume o prestígio faustoso do feérico: fragmentação caleidoscópica, festa luminosa, princípio ou infância do olhar. Pode, porém, atingir, com a capacidade radioscópica que lhe é própria, o caroço sombrio da doença ou da destruição. Daí vem à sua pintura uma secreta vertigem, um murmúrio de angústia que aflora na ambiguidade ameaçadora do labirinto, na profusão desmesurada de Babel…   

(continua)


in ”Voz Visível” – Ensaios – 1971




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