O CARTEIRO
Terminava o seu trabalho
quase sempre por volta das cinco e meia da tarde.
Ao regressar a casa,
comprava qualquer coisa para comer e, no quarto independente, alugado há seis
anos a uma velhota, numa rua da Graça, preparava, às escondidas dela, a magra
refeição que adquirira. Comia rapidamente, depois fechava as persianas e,
vestido ainda com a farda de trabalho, deitava-se em cima da cama e adormecia
profundamente.
Há trinta anos que a sua
vida era aquela. Quando se instalou em Lisboa após ter entrado para os Correios
onde era carteiro, sempre pensara que, um dia, casaria e teria filhos. Mas isso
não acontecera e, de quarto alugado em quarto alugado, assim fora vivendo.
Morreram-lhe os pais e ficara sem família. Os amigos nunca tinham sido muitos
e, com o passar da idade, tinham praticamente desaparecido. Mas não se sentia
infeliz.
Acordou, como sempre, por
volta das quatro da manhã. Levantou-se e despiu a farda. Como pôde, lavou-se na
bacia que a dona da casa lhe consentia ter no quarto. Depois, de dentro de uma
mala, tirou uma camisa branca e umas calças cinzentas que vestiu. Em seguida,
com extrema minúcia fez o nó de uma gravata azul-celeste, a única que possuía e
vestiu o casaco do fato.
Mudara completamente de
aspecto. Toda a gente, ao vê-lo, diria tratar-se de um respeitável chefe de
família, de um aprumado funcionário público, de um abastado comerciante, de um
professor do liceu ou até de um janota já um pouco entradote.
E foi com todas essas
qualidades que se sentou à mesa, tirou da sacola de carteiro um grande maço de
cartas que não expedira, abriu uma a seguir à outra e começou a responder-lhes.
in, “Pão com Manteiga” – livro de humor editado em 1980.
Imagem: pintura de Van Gogh (Holanda, 1853 – França, 1890).
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