terça-feira, 31 de março de 2020

CANCIONEIRO POPULAR PORTUGUÊS - O pobre do pescador




O POBRE DO PESCADOR

O pobre do pescador
Já lá morreu afogado:
Foi à pesca e lá ficou
Nas ondas do mar rolado.

Aí vem o barco à vela,
Aí vem sardinha boa,
Aí vem o meu amor,
Assentadinho na proa!

Ó minha caninha verde,
Ó minha Sanjoaneira!
O peixinho foi vendido,
O ganho vai na algibeira.

As ondas do mar são brancas,
E no meio amarelas,
Tristes daqueles que nascem
Para morrer dentro delas.

No meio daquele mar
Anda uma pombinha branca,
Não é pomba, não é nada,
É o mar que se alevanta.

O mar também é casado,
O mar também tem mulher,
É casado com a areia
Dá-lhe beijos quando quer.




Quadras recolhidas por José Leite de Vasconcelos, filólogo, etnógrafo (Portugal, 1858 – 1941).


segunda-feira, 30 de março de 2020

CAMILO PESSANHA - Floriram por engano as rosas bravas



CAMILO PESSANHA
(Coimbra, Portugal, 1867 - Macau, Ásia, 1926)
Poeta

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É considerado o melhor poeta simbolista português. Influenciou directamente a geração de Orpheu.

***

FLORIRAM POR ENGANO AS ROSAS BRAVAS


Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que num momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...

Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze - quanta flor! - do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?




domingo, 29 de março de 2020

O ROQUE E A AMIGA



O ROQUE E A AMIGA  

A amiga mexia lentamente o café. E, repentinamente, lembrou-se:
- É verdade, Roque: como é que vai o seu complexo agrícola?
Roque parou a chávena a meio caminho da boca e disse:
- Não sei o que é isso.
A amiga, bem disposta, insistia:
- Ora! Não sabe você outra coisa. Que tal foi a safra?
Roque procurava conter-se e não responder como tinha vontade. Deu um golinho de café, e repetiu:
- Não sei o que é isso. Nem percebo que conversa é essa.
A amiga bebeu o resto do café, fez-lhe uma festa na t-shirt e disse:
- Claro que sabe. Estou a perguntar pelas beterrabas. Mas eu ponho a questão doutra maneira: que tal vai a sua cultura, Roque?




in “Pão com Manteiga” (1980) – Bernardo Brito e Cunha, Carlos Cruz, Eduarda Ferreira, José Duarte, Mário Zambujal, Orlando Neves.





sábado, 28 de março de 2020

CRISTÓVÃO FALCÃO - Não Sei para que Vos Quero



CRISTÓVÃO FALCÃO
(Portalegre, Portugal, 1515 - 1557)
Poeta
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É autor da obra Trovas de Cristal, écloga notável pelo seu realismo descritivo e psicológico, sendo o mais expressivo espécime de acomodação da poesia bucólica grega e latina à sensibilidade portuguesa.
in “Livro dos Portugueses”
***
NÃO SEI PARA QUE VOS QUERO

Não sei para que vos quero,
pois me de olhos não servis,
olhos a que eu tanto quis!

VOLTAS

Pera ver que me fostes dados,
vós só a chorar vos destes;
e, se eu tenho cuidados,
meus olhos, vós mos fizestes.
Desque neles me pusestes,
do descanso me fugis,
olhos a que eu tanto quis!


Quando vós primeiro vistes,
que não me era bom sabíeis,
mas, por gozar do que víeis,
em meu dano consentistes.
O que então me encobristes
agora mo descobris,
olhos a que eu tanto quis!

Meus olhos, por muitas vias
usais comigo cruezas;
tomais as minhas tristezas
pera vossas alegrias.
Entram noites, entram dias,
olhos, nunca me dormis,
olhos a que eu tanto quis!

Ando-vos a vós buscando
cousas que vos dêem prazer,
e vós, quanto podeis ver,
tristezas me andais tornando.
Agora vou-vos cantando,
vós a mim chorando me is,
olhos a que eu tanto quis!



in “Antologia Poética”

sexta-feira, 27 de março de 2020

E. E. CUMMINGS - Chamar a si todo o Céu com um Sorriso



E. E. CUMMINGS
(EUA, 1894 – 1962)
Poeta, dramaturgo, pintor

***
CHAMAR A SI TODO O CÉU COM UM SORRISO

que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas
aves que são os segredos da vida
o que quer que cantem é melhor do que conhecer
e se os homens não as ouvem estão velhos

que o meu pensamento caminhe pelo faminto
e destemido e sedento e servil
e mesmo que seja domingo que eu me engane
pois sempre que os homens têm razão não são jovens

e que eu não faça nada de útil
e te ame muito mais do que verdadeiramente
nunca houve ninguém tão louco que não conseguisse
chamar a si todo o céu com um sorriso



Tradução: Cecília Rego Pinheiro







quinta-feira, 26 de março de 2020

MÁRIO CESARINY - Em todas as ruas te encontro




MÁRIO CESARINY
(Lisboa, Portugal, 1923 - 2006)
Poeta, pintor

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É considerado o mais importante poeta do surrealismo português, tendo exercido grande influência na criação do Grupo Surrealista de Lisboa, em 1947, no mesmo ano em que se encontrou com André Breton, facto que marcaria o seu trabalho pictórico e literário. 

A sua personalidade inquieta e algumas discordâncias ideológicas levaram-no a afastar-se desse grupo e a lançar “Os Surrealistas”, escrevendo o Manifesto Abjeccionista, com Pedro Dom.

Como a poesia, a pintura de Cesariny é espontânea e subversiva, marcada por uma dimensão algo mágica e onírica, com predomínio da cor, da desordem ou do caos associados ao automatismo e ao acaso próprios do surrealismo.

in “Instituto Camões” (excerto)


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EM TODAS AS RUAS TE ENCONTRO

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto    tão perto    tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco



in "Pena Capital"


quarta-feira, 25 de março de 2020

ASTÉRIX




ASTÉRIX

Herói francês de uma série e álbuns infantis de banda desenhada que começaram em 1959, com texto de RENÉ GOSCINNY e ilustrações de ALBERT UDERZO.

Astérix e o seu amigo Obélix são gauleses antigos que lutam para defender dos Romanos a sua aldeia bretã.

Personagens como o druida Panoramix e o bardo Assurancetourix ajudam-nos a dar tareias aos romanos vezes sem conta.

Outros nomes cómicos incluem o estalajadeiro Ortopedix e o centurião Macambuzius.







in “Dicionário do Conhecimento Essencial”



terça-feira, 24 de março de 2020

ARTHUR SCHOPENHAUER - A essência da música




ARTHUR SCHOPENHAUER
(Polónia, 1788 - Alemanha, 1860)
Filósofo

***

Após sua tese, dedicou todo o seu tempo ao livro que seria sua obra-prima O Mundo Como Vontade e Representação (1818), a grande antologia do infortúnio.         

A grande obra de Schopenhauer é composta de quatro volumes: o primeiro livro é dedicado à Teoria do Conhecimento, o segundo, à Filosofia da Natureza, o terceiro à Metafísica do Belo, e o quarto à Ética.

in “Biografias”
***

A ESSÊNCIA DA MÚSICA

Depois de meditar muito tempo sobre a essência da música, recomendo o prazer dessa arte como a mais requintada de todas.

Nenhuma outra age de modo mais directo, mais profundo, porque não há outra que revele de forma mais objectiva e profunda a verdadeira natureza do mundo.

Ouvir grandes e belas melodias é como um banho para o espírito: purifica-o, do que é mau e mesquinho; eleva o homem e coloca-o em sintonia com os mais nobres pensamentos de que é capaz, e só assim ele sente claramente tudo o que vale, ou melhor, tudo o que poderia valer.




segunda-feira, 23 de março de 2020

LAO-TSE - Simplicidade extrema



 LAO-TSE
(China Antiga, 480 a.C. - 390 a.C.)
Filósofo
 ***
SIMPLICIDADE EXTREMA

Põe de lado os estudos e não conhecerás o sofrimento. Põe de lado a erudição e afasta a sabedoria e o povo será cem vezes mais beneficiado. Põe de lado a benevolência e afasta a rectidão e o povo te pagará com dever filial e amor fraternal. Põe de lado o artifício e afasta o lucro e não haverá mais bandoleiros e ladrões. Mantém-te na simplicidade, restringe o egoísmo e refreia os desejos.



 




domingo, 22 de março de 2020

ANTÓNIO QUADROS – O lirismo e as suas subespécies




ANTÓNIO QUADROS
(Lisboa, Portugal, 1923 - 1993)
Escritor, filósofo, tradutor

***

O LIRISMO E AS SUAS SUBESPÉCIES


Às três subespécies da poesia lírica – a heróica, a elegíaca e a lírica propriamente dita – atribuíam os antigos a protecção de três musas, Calíope para a primeira, Érato para a segunda, e para a terceira Polímnia.

Chama-se poesia lírica, em boa razão estética, a toda aquela que não é dramática nem narrativa, e na espécie da poesia chamada narrativa há por certo que incluir a didáctica. 

A poesia lírica pode exprimir directamente os sentimentos e as emoções do poeta, sem deles querer tirar conclusões gerais, ou lhes atribuir maior sentido que o de serem simples emoções e sentimentos: é esta a poesia propriamente, ou simplesmente, lírica. A esta é que Polímnia rege. 

Pode também a poesia lírica exprimir não sentimentos ou emoções, senão o conceito que forma desses sentimentos ou dos alheios: é esta, propriamente, a poesia elegíaca, que não há mister que seja triste, como o uso vulgar do nome ordinariamente indica. Desta poesia, Érato é a musa. 

Pode, por fim, a poesia lírica dedicar-se a exaltar ou a deprimir a pessoa ou os efeitos de outrem, não tanto os comentando, quanto os elevando ou diminuindo: é esta, em seus dois ramos, a poesia heróica e a satírica. A estas legitimamente rege Calíope, se bem que lhe não dessem os antigos a regência da sátira.





sábado, 21 de março de 2020

O ROQUE E A AMIGA



O ROQUE E A AMIGA


A amiga pulou da cama, fresca, matinal, ainda cheia de orvalho e espreguiçou-se longamente em frente do espelho.
Deu o primeiro sorriso do dia a Roque, que a espreitava pelo canto do olho enquanto acendia a beata que apagara cuidadosamente na noite anterior.

A amiga voltou a olhar o espelho, sempre sorrindo e prendeu o cabelo com dois ganchos. Depois, saltou para a balança e o sorriso apagou-se.
- Que foi? – perguntou Roque.
- Dois quilos a mais… – esclareceu a amiga.
Roque deu uma pequena gargalhada.
- E você ri-se! – enfureceu-se a amiga.
E encostando-se à cama perguntou:
- Onde é que está a graça, Roque?
Nova gargalhadinha:
- É que, por este andar, ainda passo a ser conhecido pelo Roque da pesada…





in “Pão com Manteiga” (1980) – Bernardo Brito e Cunha, Carlos Cruz, Eduarda Ferreira, José Duarte, Mário Zambujal, Orlando Neves.





sexta-feira, 20 de março de 2020

GOTTFRIED BENN - Campo dos infelizes




GOTTFRIED BENN
(Alemanha, 1886 - 1956)
Poeta, escritor

***

Foi um dos mais famosos escritores do Expressionismo, o mais destacado da primeira metade do século XX e o renovador da poesia lírica no seu país no período após a II Guerra Mundial.

in “Biografias”

***

CAMPO DOS INFELIZES

Farto da minha busca de ilhas,
rebanhos mudos, verde morto,
quero ser margem, ser baía,
de belos barcos ser um porto.

A minha praia quer sentir-se
pisada a vivo com pés quentes;
queixa-se a fonte a oferecer-se,
quer refrescar sedes ardentes.

E tudo quer a sangue estranho
subir, ir afogar-se a esmo,
até um outro ardor de vida,
nada ficar quer em si mesmo.



Tradução: Vasco Graça Moura

quinta-feira, 19 de março de 2020

CONJURAÇÃO DE 1640




CONJURAÇÃO DE 1640


Foi formada por um grupo de patriotas portugueses, na sua maioria nobres, com o fim de libertar Portugal do jugo espanhol a que estava submetido havia sessenta anos, tendo sido João Pinto Ribeiro o grande impulsionador da conspiração. Depois de longos e secretos conciliábulos, os conjurados invadiram o palácio da duquesa de Mântua no dia 1 de Dezembro de 1640.

Apesar de serem apenas quarenta, dominaram a guarda castelhana, mataram o traidor Miguel de Vasconcelos e proclamaram o novo rei, D. João, duque de Bragança, aos gritos de «Liberdade», no que foram imediatamente secundados pelo povo.






in “Enciclopédia Portuguesa”
Imagem: Reunião secreta dos Conjurados




quarta-feira, 18 de março de 2020

T.S.ELIOT - O Nome dos Gatos



T.S.ELIOT
(EUA, 1888 - Reino Unido, 1965)
Poeta, dramaturgo, crítico literário

***
Poeta modernista, recebeu o “Prémio Nobel de Literatura” em 1948.
***

O NOME DOS GATOS

Dar nome aos gatos é um assunto traiçoeiro,
E não um jogo que entretenha os indolentes;
Pode julgar-me louco como o chapeleiro,
Mas a um gato se dá TRÊS NOMES DIFERENTES.
Primeiro, o nome por que o chamam diariamente,
Como Pedro, Augusto, Belarmino ou Tomás
Como Victor ou Jonas, Jorge ou Clemente
– Enfim nomes discretos e bastante usuais.
Há mesmo os que supomos soar com som mais brando,
Uns para damas, outro para cavalheiros,
Como Platão, Admetus, Electra, Demétrio
Mas são todos discretos e assaz corriqueiros
Mas a um gato cabe dar um nome especial
Um que lhe seja próprio e menos correntio:
Se não como manter a cauda em vertical,
Distender os bigodes e afagar o brio?
Dos nomes desta espécie é bem restrito o quorum,
Como Quaxo, Munkunstrap ou Coricopato,
Como Bombalurina, ou mesmo Jellylorum…
Nomes que nunca pertencem a mais de um gato.
Mas, acima e além, há um nome que ainda resta,
Este de que jamais ninguém cogitaria,
O nome que nenhuma ciência exata atesta
SOMENTE O GATO SABE, mas nunca o pronuncia.
Se um gato surpreenderes com ar meditabundo,
Saibas a origem do deleite que o consome:
Sua mente se entrega ao êxtase profundo
De pensar, de pensar, de pensar em seu nome:
Seu inefável afável
Inefanefável
Abismal, inviolável e singelo Nome.



Tradução: Ivan Junqueira


terça-feira, 17 de março de 2020

IRMÃOS MARX




IRMÃOS MARX

Família de comediantes americanos do cinema, que atingiram o auge da anarquia no início dos anos 30. 

Os mais conhecidos eram o pianista Chico (Leonard Marx, 1886-1961), que andava atrás de mulheres e possuía um cómico sotaque italiano; o silencioso Harpo (Adolph Marx, 1888-1964), que tocava harpa e comunicava por meio da buzina de uma bicicleta, e Groucho (Julius Marx, 1890-1977), o espertalhão e perseguidor de mulheres, que andava em grandes passadas, de bigode pintado e com um enorme charuto. O actor subsidiário Zeppo (Herbert Marx, 1901-1979) apareceu apenas nos seus primeiros cinco filmes e tornou-se depois agente artístico. O menos conhecido, Gummo (Milton Marx, 1893-1977), deixou o número antes de ser feito o primeiro filme dos Irmãos Marx e tornou-se seu empresário.

Alguns dos seus filmes: Os Galhofeiros, Agulha em Palheiro, Os Grandes Aldrabões, Uma Noite na Ópera, Uma Noite em Casablanca.





in”Dicionário do Conhecimento”
  



segunda-feira, 16 de março de 2020

ÓPERA - LÚCIA DE LAMMERMOOR




LÚCIA DE LAMMERMOOR

Ópera em duas partes, a segunda em dois actos, com libreto de Salvatore Cammarano, baseado livremente no romance de Walter Scott The Bride of Lammermoor  (A Noiva de Lammermoor) e música de Gaetano Donizetti, estreada no Teatro San Carlo de Nápoles, a 26 de Setembro de 1835.

*

A acção situa-se na Escócia, nas paragens de Lammermoor, em fins do século XVII.

Henrique fica furioso ao saber que a sua irmã Lúcia se apaixonou por Edgardo, um jovem cavaleiro de uma família rival. Para salvar a família da ruína, Henrique pretende casar a irmã com Artur. 

Lúcia e Edgardo encontram-se em segredo e, antes do jovem partir para a França, trocam alianças e juras de amor eterno. Henrique leva Lucia a acreditar que Edgardo lhe foi infiel. Desejando a morte, Lúcia assina o contrato de casamento com Artur. 

Momentos depois Edgardo regressa mas ao ver o contrato de casamento devolve o anel a Lúcia. Na noite de núpcias, Lúcia enlouquece e apunhala o marido. Entregue a terríveis alucinações acaba por morrer. Ao ver o cortejo fúnebre, Edgardo, em desespero, mata-se para se reunir à sua amada.





in “Óperas Imortais”






domingo, 15 de março de 2020

A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL (XI)




A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL (XI)

NOTÍCIA DOS AUTOS CELEBRADOS PELA INQUISIÇÃO DE LISBOA 
(2 exemplos)


Época: 1642, Abril, 6
Lugar: Terreiro do Paço
Pregador: Padre Bento de Sequeira, provincial dos Jesuítas.

AUTO:

Neste auto saiu a morrer um desgraçado que sendo muito moço quando o prenderam esperou nos cárceres a sua maior idade para se lhe dar a morte bem na primavera da sua vida. Uma pobre rapariga indo a queimar por negativa, confessou no auto e morreu então por diminuta. Assistiu a este auto de horror el-rei D. João IV, com a rainha sua esposa e toda a Corte de Portugal. Foi a primeira festa de sangue que lhe deu a Inquisição e que as fogueiras de seis desgraçados iluminaram!


*

Época: 1644, Julho, 10
Lugar: Dito
Pregador: Frei João de Vasconcelos, deputado do Conselho Geral.

AUTO:

Neste auto saiu a queimar em estátua Maria Azeda, que havia morrido já há tempos em sua casa muito bem descansada. O santo tribunal apesar disso a julgou e lhe fez desenterrar os ossos para irem à fogueira e lhe confiscou os bens. Saíram a morrer duas irmãs da que no auto antecedente morreu por diminuta.





in “História dos Principais Actos e Procedimentos da Inquisição em Portugal” – José Lourenço D. de Mendonça e António Joaquim Moreira.





sábado, 14 de março de 2020

ABEL NEVES – Quatro vezes sete versos para aquela rapariga



ABEL NEVES
(Montalegre, Portugal, 1956)
Poeta, dramaturgo, romancista

***

Possuidor de uma vasta obra literária,  escreve desde romances e poesia a textos para cinema e televisão.  
Em 1990, foi coordenador de Dramaturgia no Estágio de Criação Dramática para jovens Actores e Autores Europeus no âmbito da Convenção Teatral Europeia.
Nos anos seguintes, foi professor convidado na Escola Superior de Teatro e Cinema, na Universidade de Évora e na Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo para leccionar na área de dramaturgia.  
Em 2009, recebeu o prémio Luso-Brasileiro de Dramaturgia António José da Silva com o texto Jardim suspenso e em 2014 foi distinguido com o prémio Autores 2014 pelo Melhor Texto Português Representado em 2013,  Sabe Deus pintar o Diabo.
Fonte: “Universidade de Coimbra” (excerto)

***


QUATRO VEZES SETE VERSOS PARA AQUELA RAPARIGA

Enquanto não vens nem tu sabes é assim
uma casa que só cheirasse a uvas de Setembro
Este quarto esta sala onde o som contínuo é Out of
Nowhere soprado pelo Charlie Parker
Há calma com vento que vem quente enquanto não vens
e podes ter a certeza que o soalho vai ter aroma de estações
A que menos entenderes para melhor a desejares

Entretenho-me com uma breve meditação
sobre o perfil de um velho índio apsaroke
e tenho-te rapariga na visão do vale dos bisontes
onde esperas o bafo morno do fim da tarde
ajeitando o lenço na cabeça e sorrindo
entre o voo de alguns insectos
e a recordação destes dedos que te escrevem

Não me leves a mal se te falo de coisas tão domésticas
mas neste falar assim é que as plantas destes vasos
crescem para o tecto e é lá que está o éden delas
ainda que o vá sendo sempre o ar e
a luz que tomam
cada dia perto muito perto das menores palavras
com que te aviso do paraíso tão à mão

Hoje sinto-me lesma será isto solidez?
e não tenho sexo nem para as horas
nem lei para esta coisa suave
que é dançar na metafísica como astronauta para lá da                    gravidade
Cá vou indo menina cá vou indo
e não me peças versos que os não dou
por os não saber fazer ou ler ou nada


MALMEQUER

MALMEQUER Português, ó malmequer Em que terra foste semeado? Português, ó malmequer Cada vez andas mais desfolhado Ma...