RAMALHO ORTIGÃO
(Porto, Portugal, 1836 - Lisboa, 1915)
Escritor
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Com Eça de Queirós fundou As Farpas. Com Antero de
Quental bateu-se em duelo, à espada, por causa de uma contenda decorrente da
Questão Coimbrã. Figura destacada do século XIX, literário e intelectual
português, e, em particular, da Geração de 70, foi um ilustre membro do grupo
dos "Vencidos da Vida".
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GRANDES HOMENS FORJAM-SE A
SI PRÓPRIOS
Para conhecer a realidade
do mundo, único fim sério da ciência, é preciso entrar no combate da vida como
entravam na liça os paladinos bastardos - sem pai e sem padrinho. Os príncipes
não constituem excepção a esta lei geral da formação dos homens. Da educação de
gabinete, do bafo enervante dos mestres, dos camareiros e das aias, nunca saíram
senão doentes e pedantes.
Na sagração dos czares há
uma cerimónia de alta significação simbólica: o imperador não se confirma
enquanto por três vezes não haja descido do trono e penetrado sozinho na
multidão; e isto quer dizer que na convivência do povo a autoridade e o valor
dos monarcas recebe uma tão sagrada unção como a da santa crisma. Todos os reis
fortes se fizeram e se educaram a si mesmos nos mais rudes e mais hostis
contactos da natureza e da sociedade humana.
Veja vossa alteza Carlos
Magno, que só aos quarenta anos é que mandou chamar um mestre para aprender a
ler. Veja Pedro o Grande, do qual a educação de câmara começou por fazer um
poltrão. Aos quinze anos não se atrevia a atravessar um ribeiro. Reagiu enfim sobre
si mesmo pela sua única força pessoal. Para perder o medo aos regatos, um dia,
da borda de um navio, arrojou-se ao mar. Para se fazer marinheiro começou por
aprender a manobrar, servindo como grumete. Para se fazer militar começou por
tambor na célebre companhia dos jovens boiardos. E para reconstituir a
nacionalidade russa começou por construir navios, a machado, como oficial de
carpinteiro e de calafate, nos estaleiros de Sardam. Também não teve mestres, e
foi consigo mesmo que ele aprendeu a lingua alemã e a língua holandesa.
Veja
vossa alteza, enfim, todos aqueles que no governo dos homens tiveram uma acção
eficaz, e reconhecerá se é na lição dos mestres ou se é no livre exercício da
força e da vontade individual que se criam os caracteres verdadeiramente
dominadores, como o de Cromwell, como o de Bonaparte, como o de Santo Inácio,
como o de Lutero, como o de Calvino, como o de Guilherme o Taciturno, como o de
Washington, como o de Lincoln.
in “As Farpas" - 1883
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