A FELICIDADE
Quem
pôde, neste mundo, até hoje definir a felicidade?
Desde que a atenção do homem
se concentrou da natureza visível para a natureza interior, a ciência, a
poesia, a religião, debruçadas sobre o coração humano, revolvem o impenetrável
problema, esgotando em vão a sagacidade, a inspiração, a eloquência.
Todas as
influências que compõem a alma contraditória do homem, que o obscurecem, ou
explicam, que o regeneram, ou degradam, os sentimentos que fortalecem, ou
deprimem, os que criam, ou destroem, os que repelem, ou encantam, vão passando
sucessivamente pelo fundo misterioso do vaso, onde a humanidade bebe, desde o
princípio de sua criação, a ambrósia e o fel.
E a eterna interrogação continua
a preocupar eternamente as cabeças, que meditam, as imaginações, que cismam:
onde está a felicidade? No amor ou na indiferença? Na obediência, ou no poder? No
orgulho, ou na humildade? Na investigação, ou na fé? Na celebridade, ou no
esquecimento? Na nudez, ou na prosperidade? Na ambição, ou no sacrifício?
Risível pretensão fora a minha, se me propusesse a entrar com uma fórmula nova
na multidão inumerável dos escavadores deste enigma. Não passa de uma impressão
pessoal a que vos traduzo, dizendo-vos em uma palavra a minha maneira de
interpretar o grande segredo.
A meu ver, a felicidade está na doçura do bem,
distribuído sem ideia de remuneração. Ou, por outra, sob uma fórmula mais
precisa, a nossa felicidade consiste no sentimento da felicidade alheia,
generosamente criada por um acto nosso.
RUY
BARBOSA (Brasil, 1849 – 1923), escritor, jornalista, jurista, político,
ensaísta, orador.
in
“ARGUS” – Revista mensal ilustrada – 1900
Imagem:
pintura de Carlos Calvet
Sem comentários:
Enviar um comentário