O BURRO E AS DUAS MARGENS
É costume contar-se às
crianças, quando começam a estar em idade de começar a ser estúpidas, uma
história a propósito de um burro que chega à margem de um rio e não consegue
passar para a outra margem.
O rio não tem ponte, o
burro não sabe nadar, não há barca que o transporte. O que faz o burro? Depois
de algum tempo de pensar, a criança diz que desiste. E então a pessoa adulta,
que lhe pôs a adivinha, diz: O mesmo fez o burro. O que devia dizer era: És
como o burro, porque assim é que a graça tem graça, se é que a tem.
Mas a história não se
passou assim, e foi o burro mesmo que m'a contou.
O burro chegou à margem do
rio, e queria passar para a outra margem. Verificou, efectivamente, e nesse
particular a história é verídica como se narra, que (a) não havia ponte, (b)
não havia barco, (c) ele, burro, não sabia nadar.
Então o burro pensou: O
que faria um homem no meu caso? E, depois de pensar, pensou: Desistia. Pois
bem, decidiu: Sou como o homem.
Porque, nesta adivinha,
ninguém pensou numa coisa: é que o homem desistia também.
Moralidade: A política
partidária é a arte de dizer a mesma coisa de duas maneiras diferentes. O
melhor é dizer em segundo lugar, porque como é o homem que faz a adivinha,
adiante vai o burro.
Moralidade:
Cuidado
com o avesso.
Cuidado com os tecidos políticos que se podem virar do
avesso.
FERNANDO PESSOA, in “Arquivo Pessoa”
Imagem: Fernando Pessoa – pintura de Júlio Pomar
Sem comentários:
Enviar um comentário