A
IRRESPONSABILIDADE DA MULTIDÃO
A multidão que se chama parlamento nunca
se sente tão feliz como quando pode calar com gritos um orador e derrubar um
ministro; a multidão que se chama comício agita-se e exalta-se, mal um grito a
incita a bradar «Abaixo!» sob as janelas de um inimigo ou a reclamar a cabeça
de um indivíduo odiado ou ainda a queimar qualquer símbolo do poder, quer se
trate de um panfleto, quer de um palácio de justiça; a multidão reunida num
teatro que dá pelo nome de público pode aplaudir uma peça nova, mas, quando
estimulada, não hesita em condenar e precipitar à força de uivos e assobios
quem supunha tê-lo conquistado e ser-lhe, pelo engenho, superior.
No fundo, toda a multidão é um público, que não quer dispersar sem ter
assistido a um espectáculo. No entanto, selvagem como é, prefere os
espectáculos trágicos; sente o circo dos gladiadores ou o torneio, mais do que
a fábula pastoral. Quando se animaliza, quer sangue - pelo menos, vê-lo.
Estar entre muitos incute a sensação de força, ou seja, da prepotência e, ao
mesmo tempo, a certeza da irresponsabilidade e da absolvição.
GIOVANNI PAPINI - (Florença, Itália, 1881 – 1956) - Escritor, poeta
in “Relatório Sobre os Homens”
Imagem: pintura de Luísa Moreira - Portugal
Imagem: pintura de Luísa Moreira - Portugal
Sem comentários:
Enviar um comentário