ALEXANDRE O'NEILL
(Lisboa, Portugal, 1924 - 1986)
Poeta
***
Foi um dos fundadores do
Movimento Surrealista de Lisboa.
***
SAUDAÇÃO A JOÃO CABRAL DE
MELO NETO
João
Cabral de Melo Neto,
Você
não se pode imitar,
mas
incita a ver mais de perto,
com
mais atenção e vagar,
o
que está como que em aberto,
ainda
por vistoriar,
o
que vive entre pedra e terra
e
o que é entre muro e cal,
o
que tem "vocação de bagaço"
e
o que resiste no osso ou no "aço
do osso", mais
essencial.
Tacteamos
matéria pobre
com
sua mão que nada encobre
e
ouvimos assoviar
versos
(sem pássaro) de cobre.
De
prosaico há-de ser chamado
pelos
do "estilo doutor",
cabeleireiros
da palavra,
pirotécnicos
do estupor,
que dão tudo por uma ária
de
alambicado tenor,
que
encaixilham a dourado
morceaux
choisis de orador,
mas
de prosaico não foi chamado
o
nosso Cesário Verde?
O
lugar comum se repete
aqui ou do outro lado...
Porém
adoptemos prosaico
num
sentido que ao bacharel
escapará,
é matemático.
Prosaico
mas não aquele
que
em verso é incapaz de verso
por
estar sempre a pôr em verso,
uma
sorte de tradutor
para
poesia
e
às vezes até um guia
do
político amador.
Exemplo:
Pablo Neruda.
Prosaico,
mas sem literatura,
sem
o discursivo, sem a mistura
de panfleto, notícia,
ladainha.
Prosaico:
o não enfático,
o
que não mente a si mesmo,
o
que não escreve a esmo,
o
que não quer ser simpático,
o
que é a palo seco,
o
que não toma por outro
mais
fácil trajecto
quando
está diante do pouco,
nem que seja um insecto.
Já
se deixa ver que prosaico,
assim,
mal definido,
não
é uma atitude
que
se arvore ou um laivo,
uma
tinta de virtude:
é
um modo de ser,
mesmo
antes do verso,
mesmo
fora do verso,
mesmo sem dizer.
Será
neste sentido,
prosaico
Melo Neto,
que
no poema «O RIO»
cita
Berceo: «Quiero
que
compongamos yo e tú una prosa»?
Será
no mesmo sentido
de
Pessoa-Alberto Caeiro
(outro
prosaico, mas desiludido...):
«...escrevo
a prosa dos meus versos
e fico contente » ?
*
Quanto
a mim, ainda o bonito
me
põe nervoso, o meu canito
ainda
tem plumas - e lindas! -
e
o meu verso deita-se muito,
não
sobre a terra, mas em sumaúmas,
já com bastante falta de
ar...
Ó
Poeta,
não é motivo para não o
saudar !
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