sexta-feira, 5 de junho de 2020

TEÓFILO BRAGA – A dobadoira



TEÓFILO BRAGA
(Ponta Delgada, Açores, Portugal, 1843 - Lisboa, 1924)
Poeta, filósofo, ensaísta, político

***

A obra literária de Teófilo Braga é imensa e portanto impossível de a enumerar exaustivamente.

Como investigador das origens dos povos, seguiu a linha da análise dos elementos tradicionais desde os mitos, passando pelos costumes e terminando nos contos de tradição oral, que lhe permitiram escrever obras como Os Contos Tradicionais do Povo Português, de 1883, O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições, em 1885, e História da Poesia Portuguesa, que lhe levou anos a escrever, procurando as suas origens através das várias épocas e escolas.

As áreas restantes das suas 360 obras, abrangem campos tão diversos como o da História Universal, História do Direito, da Universidade de Coimbra, do Teatro Português, da influência de Gil Vicente naquela forma de manifestação artística, da Literatura Portuguesa, das Novelas Portuguesas de Cavalaria, do Romantismo em Portugal, das Ideias Republicanas em Portugal, passando pelos folhetos de polémica literária e política e ensaios biográficos, como o que respeita a Filinto Elísio.

Foi Presidente da República Portuguesa entre 29 de Maio de 1915 a 5 de Outubro de 1915.


Fonte: “Presidência da República Portuguesa” (excertos)


***
A DOBADOIRA

Estava à porta assentada,
dobando a sua meada 
        A velhinha:
Lenço branco na cabeça
A madeixa lhe sustinha,
E envolve-a como toalha;
Com que pressa
Sentada à porta trabalha.

         
         O sol doira
         Seu cabelo,
Que tem a cor da geada;
Para passar o novelo,
         A velhinha
De vez em quando sustinha
A gemente dobadoira;
Em que anda branca meada.


Na dobadoira que gira,
Como a mente que delira,
Nem já toda a atenção pondo;
Nem no novelo redondo
        Aumentando
Ao passo que o fio tira,
Todo o seu cuidado emprega!
       Pobre e cega,
Ansiada, de quando em quando
Com que tristeza suspira!


Por vezes o movimento
        Claro exprime
Tumultuar do pensamento,
Que no imo da alma a oprime
    E quase oura!
Muita angústia e paciência
Reflecte-a a intermitência
   Do andamento
Ao voltear da dobadoira.


Fica-lhe na mão suspensa
          O novelo,
Concentrada não o enleia;
Na órfã netinha pensa!...
      Vem-lhe à ideia
        Por sua morte:
"Só, no mundo! Entregue à sorte!
        Pobre neta...
         Pesadelo,
Que tanto a velhinha inquieta.


Não ouvindo a dobadoira,
Que gemia intermitente,
Caindo da mão dormente
         O novelo...
         Com desvelo,
A neta, cabeça loira,
          Vem à porta
Ver o que foi; com susto olha:
Uma lágrima inda molha
A face à velhinha morta.





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