sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

FERNANDO DACOSTA - Violência silenciosa



FERNANDO DACOSTA
(Caxito, Angola, 1945)
Romancista, dramaturgo, jornalista

Violência silenciosa

Ciclicamente a violência vem-nos à superfície. Com a passagem dos equinócios, sobretudo o do Outono, ela evidencia-se em deflagrações circulares. Ferimos, matamos os que se encontram mais próximos, os que nos amam e nos são amados – forma de nos ferirmos, matarmos a nós próprios.

Tanatos e Eros têm a mesma respiração, o estertor da morte é o outro lado do estertor do sexo. Conciliamos com toda a naturalidade a grande violência, a da paixão (a mais explosiva de todas) e a pequena violência, a do cinzentismo, a mais normalizadora, asfixiante de todas.

A nossa é «uma terra trágica», exclamava Manuel Laranjeira pouco antes de se suicidar: «Chego a ter a impressão de que todos trazemos os olhos vestidos de luto por nós mesmos. A única crença digna de respeito que temos é a crença na morte como uma libertação!»

Portugal nasceu de um acto agreste – a rebelião de um filho contra a mãe, derrotada (mais o seu notável projecto de independência galaico-portuguesa) pelas armas.

A República nasceu de um acto brutal - o assassínio de um Rei e do seu primogénito, numa emboscada, por revolucionários radicais.

Os dois maiores mitos lusitanos, Pedro e Inês e o Sebastianismo, brotaram de actos–limite.

Alguns dos vultos cimeiros das letras, do pensamento, das artes deixaram destruir-se, suicidando-se. O esclavagismo, a Inquisição, a História Trágico-Marítima, as guerras coloniais, os totalitarismos são-nos elos de uma violência - mais subterrânea do que ostentada, mais difusa do que definida – continua ao longo dos séculos.



in “Nascido no Estado Novo”


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