ÂNGELO DE
LIMA
(Porto,
Portugal, 1872 - Lisboa, 1921)
Poeta
e pintor
Foi colaborador da revista "Orfheu". São notáveis alguns
dos seus sonetos. Na sua obra há sinais precursores da escrita automática dos
surrealistas.
***
A meu pai
(No Santo Dia Dos Finados)
Pai! quando às horas do
findar do dia,
A bruma vaga cobre, triste, o Espaço
E a mim me envolve na melancolia…
A bruma vaga cobre, triste, o Espaço
E a mim me envolve na melancolia…
Pai! Diz-me: sabes que secreto laço
Me prende, a mim, que vago n’este mundo,
Triste, avergado sob o atroz cansaço,
A ti, que pairas lá no céu profundo? …
Me prende, a mim, que vago n’este mundo,
Triste, avergado sob o atroz cansaço,
A ti, que pairas lá no céu profundo? …
Pai! sou teu filho! – sou teu filho, sinto…
Não me renegues – sou teu filho, oh! Pai!…
Vês como eu vago n’este labirinto,
Perdido, triste, alucinado, – aí! –
Tal como a nave em que Israel vagou,
E, erma, ao acaso, sobre as águas vai,
Sem já saber que força me guiou,
Sem que me guie já vontade alguma,
N’esta derrota que seguindo vou?
Não me renegues – sou teu filho, oh! Pai!…
Vês como eu vago n’este labirinto,
Perdido, triste, alucinado, – aí! –
Tal como a nave em que Israel vagou,
E, erma, ao acaso, sobre as águas vai,
Sem já saber que força me guiou,
Sem que me guie já vontade alguma,
N’esta derrota que seguindo vou?
Pois, como à nave que não tem nenhuma,
Nenhuma sombra de tripulação,
Sorri ainda Vésper, de entre a bruma…
Tal ao meu enlutado coração,
Que já não guia nem um só anseio,
Sorri, ao longe, de entre a cerração,
Oh! Pai! O afecto do teu nobre seio!
Nenhuma sombra de tripulação,
Sorri ainda Vésper, de entre a bruma…
Tal ao meu enlutado coração,
Que já não guia nem um só anseio,
Sorri, ao longe, de entre a cerração,
Oh! Pai! O afecto do teu nobre seio!
Pai! meu sincero, meu finado amigo!…
Dormes, no Nada majestoso e triste,
Ou vives ‘inda, como a Dor existe?…
Dormes, no Nada majestoso e triste,
Ou vives ‘inda, como a Dor existe?…
Pai! quem me dera, logo, ir ter contigo!…
Pai! A Desgraça se enlaçou comigo,
Desde que, um dia, oh Pai! tu me fugiste!…
Pai!, se, n’um voo, pelo céu, partiste,
Diz-me o rumo, quero ver se o sigo…
Desde que, um dia, oh Pai! tu me fugiste!…
Pai!, se, n’um voo, pelo céu, partiste,
Diz-me o rumo, quero ver se o sigo…
Pai! Tua pobre campa, tão singela,
Talvez não tenha, como as outras têm,
No dia de hoje, quem n’a enflore a ela…
Talvez não tenha, como as outras têm,
No dia de hoje, quem n’a enflore a ela…
Ai! que é tão triste não se ter ninguém!
Ao menos, Eva, o nosso encanto, – vê-la? –
E Pedro, e Vasco… São contigo além!
E Pedro, e Vasco… São contigo além!
Imagem: retrato de Ângelo de Lima. Autor: “doente Pragana”, 1919, tinta negra s/ papel.
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