FERNANDO PESSOA
(Lisboa, Portugal, 1888 — 1935)
Poeta, filósofo, dramaturgo,
tradutor
***
Carta a Ophélia Queiroz
Terrível Bebé:
Gosto das suas cartas, que são meiguinhas, e também
gosto de si, que é meiguinha também. E é bombom, e é vespa, e é mel, que é das
abelhas e não das vespas, e tudo está certo, e o Bebé deve escrever-me sempre,
mesmo que eu não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e
ninguém gosta de mim, e também porque é que havia de gostar, e isso mesmo, e
torna tudo ao princípio, e parece-me que ainda lhe telefono hoje, e gostava de
lhe dar um beijo na boca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a boca e comer
os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu ombro e escorregar
para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir,
e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar, e porque é que a Ophelinha
gosta de um meliante e de um cevado e de um javardo e de um indivíduo com
ventas de contador de gaz e expressão geral de não estar ali mas na pia da casa
ao lado, e exactamente, e enfim, e vou acabar porque estou doido, e estive
sempre, e é de nascença, que é como quem diz desde que nasci, e eu gostava que
a Bebé fosse uma boneca minha, e eu fazia como uma criança, despia-a, e o papel
acaba aqui mesmo, e isto parece impossível ser escrito por um ente humano, mas
é escrito por mim.
Fernando
9-10-1929
in ”Arquivo Pessoa” - Cartas de
Amor
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