quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

ISAAC ASIMOV - Mas afinal, o que é inteligência?




ISAAC ASIMOV
(Rússia, 1919 – EUA, 1992)
Escritor e bioquímico

Foi considerado um dos mais importantes escritores de ficção científica do século XX. A sua obra mais famosa é a série Fundação (Trilogia da Fundação), que faz parte da série do Império Galáctico.


***

Mas afinal, o que é inteligência?


Quando estava no exército, fiz um desses testes de aptidão intelectual que todos os soldados realizam. Minha pontuação foi de 160, o normal é 100. Ninguém na base tinha visto uma nota dessas e durante duas horas eu fui o assunto principal.
(Não significou nada – no dia seguinte eu ainda era um soldado raso da KP – Kitchen Police)

Durante toda minha vida consegui notas como essa, o que sempre me deu uma ideia de que eu era realmente muito inteligente. E eu imaginava que as outras pessoas também achavam isso.

Porém, na verdade, será que essas notas não significam apenas que eu sou muito bom para responder um tipo específico de perguntas académicas, consideradas pertinentes pelas pessoas que formularam esses testes de inteligência, e que provavelmente têm uma habilidade intelectual parecida com a minha?

Uma vez conheci um mecânico de automóveis que de acordo a minha estimativa não poderia superar os 80 pontos nessas provas de inteligência. Sempre tive a certeza que era bem mais inteligente que ele.
Entretanto, quando acontecia algo errado com o meu carro eu observava com ansiedade enquanto ele analisava o meu carro, enquanto proferia termos para mim desconhecidos, mas que levava em conta como se ele fosse um sábio em um oráculo divino. No fim das contas, ele sempre consertava meu carro.

Pois bem, vamos supor que meu mecânico tivesse feito as perguntas para um teste de inteligência. Ou quem sabe fossem formuladas por um carpinteiro, ou por um agricultor, ou, de facto, qualquer pessoa que não tivesse uma vida académica.  Qualquer uma dessas pessoas que fizesse o teste comprovaria minha completa ignorância e estupidez.
Em um mundo onde eu não pudesse usar a minha formação académica e meus talentos verbais, mas tivesse que fazer algo complicado ou difícil, manualmente, eu me daria muito mal.
Minha inteligência, então, não é absoluta,  mas é algo imposto em uma função de uma pequena parcela da sociedade em que vivo.
Ainda sobre o mecânico.
Ele tinha o costume de contar-me piadas sempre que me encontrava. Uma vez levantou a cabeça debaixo do capô do carro para dizer:

– Doutor, um garoto surdo-mudo entrou em uma loja de ferragens para pedir pregos. Pôs dois dedos juntos sobre o balcão e depois fez um movimento de martelar com a outra mão. O empregado trouxe-lhe um martelo. Sacudiu a cabeça e assinalou os dois dedos que estava martelando. O empregado trouxe-lhe os pregos. Escolheu o tamanho que queria, e se foi. Bom, doutor, logo depois entrou um cego na loja. Queria tesouras. Como acha que lhe pediu por elas?

Rapidamente levantei a mão direita e fiz uns movimentos com os dedos simulando uma tesoura. Ele caiu em gargalhadas e disse:
– Mas você é muito burro mesmo! Ele simplesmente abriu a boca e usou a voz para pedir.
Depois de recuperar o fôlego, o mecânico disse:
– Estou fazendo essa pegadinha com todos os clientes hoje.
– Muitos caíram?
– Poucos. Mas tinha certeza absoluta de que funcionaria com você.
– Por quê? – perguntei.
– Porque você estudou muito doutor, sabia que não podia ser muito inteligente.
E eu tive a incómoda sensação de que ele estava falando a verdade.



Texto retirado de sua autobiografia “It´s Been a Good Life".

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