LIMA DE FREITAS
(Setúbal, Portugal, 1927 — Lisboa, 1998)
Pintor, desenhador, escritor
***
VIEIRA
DA SILVA E OS SERES DOS ESPELHOS (IX)
(continuação)
«Por
abrandar a paixão
Que
cantasse em Babilónia
As
cantigas de Sião.»
A Sião de Camões ecoa nas
cidades dormentes com as quais Klee socerre Kafka, e perde-se de vista,
enigmática, em certos quadros de Max Ernst.
Mas Vieira da Silva é, por
excelência, a pintora da cidade onírica, mas duas variedades, a do pesadelo e a
do sonho. Pesadelo? Eis a «Guerra» ou «Desastre», «A guerra das facas», «O
cataclismo». Sonho? Aí temos o «Porto iluminado», a «Cidade branca», a
«Paisagem vertical». Aglomerações de alvéolos, como aglomerações de neurónios,
cidade ou cérebro, massa cinzenta, rede de iridiscências, rumor de milhões de
ramos de árvores à passagem da brisa, sussurro dos bancos de coral à passagem
das marés…
A pintura de Vieira da
Silva traz-nos notícias dessa confluência das cidades reais e imaginárias,
incessantemente urbaniza, diante dos nossos olhos, o trânsito do desejo e da
nostalgia no espaço multidimensional. Através desse espaço, lança por vezes uma
onda, um frémito, que o encurva. Esses frémitos acordam os seres dos espelhos,
desejosos de sacudir o jugo das aparências (que não passa, quase sempre, de um
jogo de falsidades).
(continua)
in "Voz Visível" – Ensaios
– 1971
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