OPORTUNISTAS
LITERÁRIOS
O egoísmo de pessoas
ligadas ao meio cultural bloqueava, porém, frequentemente Natália Correia, sem
grande jeito para se lhe esquivar.
O ambiente literário é vezeiro
na lisonja, no ardil, na hipocrisia. Os críticos, esses, ora ajudavam à festa
(nos então poderosos suplementos literários), ora tentavam pôr água na fervura.
Os pedidos dos outros
impulsionavam Natália, mas quando os percebia manipuladores, derrubavam-na. Uma
senhora do Sul, professora e poetisa, contacta-a no Botequim para lhe pedir uma
opinião sobre versos que acabara de apurar.
«Diga sinceramente o que
acha, mesmo que não os considere bons», insistia, envolvente, a autora. «Eu
digo sempre o que penso», ripostou-lhe a interpelada.
Dias depois, novo
contacto: «Podia escrever umas palavrinhas … com a sua referência na capa o
editor publicava o livro.» Foram redigidas.
Dias depois, outra vez
ela: «Estou tão feliz que, se concordasse, punha o que escreveu como prefácio,
bastavam mais umas linhazitas.» Foram as linhazitas.
Dias depois, ao telefone:
«O livro ficou uma maravilha, todos dizem que só a Natália o pode apresentar,
pode?» Pôde. Lá fomos, despesas à nossa custa, ao Sul.
Semanas mais tarde: «A
edição está quase esgotada, aconselham-me agora a procurar uma grande editora
que lance a minha obra além-fronteiras, mas como não tenho contactos
lembrei-me, se não for abuso, que a minha boa amiga podia dar uma palavrinha a …»
Natália desligou a
chamada. Depois berrou, gesticulou. A indignação nela era por vezes apoteótica.
Passada, porém, voltava a repetir tudo – e nós com ela.
in “O Botequim da
Liberdade” – FERNANDO DACOSTA
Imagem: pintura de NUNO VIEGAS
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