JOÃO GASPAR SIMÕES
(Figueira da Foz, Portugal,
1903 — Lisboa, 1987)
Dramaturgo, crítico
literário, tradutor
***
DA CULTURA E DA ERUDIÇÃO
(continuação)
Tudo quanto diz, tudo o
que lhe interessa, tudo que lhe mereça atenção – respeita aos arquivos, aos
fundos da história, aos materiais perfeitamente mortos e decompostos da vida.
Da literatura é-lhe acessível um pormenor bibliográfico de Camões; da história,
a descoberta de um documento relativo à data precisa dum acontecimento
insignificante; da arte, o nome de todos os familiares, amigos e conhecidos dum
qualquer pintor, e assim por diante. O que é a literatura? – já se esqueceu; o
que é história? – nunca o soube; que vem a ser a arte? – jamais o saberá. Por
fim, o erudito convence-se de que os escritores, os homens duma maneira geral,
e os artistas - escreveram, viveram e criaram obras de arte, para ele se
entreter a remexer nas suas cinzas. Eis o que há em Portugal – eruditos.
Os
professores de literatura são eruditos, os historiadores, são eruditos, os
críticos de arte – eruditos são. Mas tudo estaria bem, se houvessem verdadeiros espíritos cultos. Então os eruditos seriam
relegados à sua actividade – a erudição, e não preencheriam os lugares que só
àqueles devem pertencer.
Enquanto em Portugal se não tiver, todavia, a
consciência profunda da cultura – profunda e viva – os eruditos continuarão a
desempenhar o desastroso papel de
espíritos cultos.
(Fim)
in – “PRINCÍPIO” –
Publicação de Cultura e Politica (1930) – Renascença Portuguesa
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