RAMIRO CALLE
(Madrid, Espanha, 1943)
Escritor,
mestre de yoga
***
A GRALHA
Em certa ocasião,
uma gralha apanhou um pedaço de alimento abandonado com o seu bico e alçou voo.
De repente, apercebeu-se de que um grande número de gralhas a seguia com o
propósito de lhe roubar o pedaço de carne. Sentiu-se gravemente ameaçada, tanto
que temeu pela sua vida.
O que fazer numa situação como aquela?
Largou o alimento e continuou a ascender.
Então, à distância, fundindo-se com a
imensidão do firmamento, pôde ver como todas as gralhas se lançavam ao
alimento, como o disputavam, lutavam entre elas e encontravam a morte,
precipitando-se depois os seus corpos no vazio. Entretanto, livre e feliz, a
gralha partia para a liberdade total.
***
A maior parte das pessoas tem uma grande
dificuldade: saber largar. Aprendemos a agarrar, até mesmo obsessivamente, mas
não a largar, apesar do facto de termos de vir, num futuro, a largar o nosso
corpo.
O apego limita-nos, assassina a nossa
essência e rouba-nos a liberdade interior. A via do apego é feia e mesquinha e
deve ser contrabalançada com a do desapego e do desprendimento.
Há que renunciar ao sentimento exacerbado de
posse e praticar a saudável e louvável abnegação. O ego é possessivo e voraz; o
«eu verdadeiro» é como o espaço aberto, que não precisa de agarrar nem de ser
agarrado.
in “ Os Melhores Contos Espirituais do Oriente”
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