EUGÉNIO DE ANDRADE
(Fundão, Portugal, 1923 - Porto, 2005)
Poeta
***
REQUIEM PARA PIER PAOLO PASOLINI
Eu pouco sei de ti mas este crime
torna a morte ainda mais
insuportável.
Era Novembro, devia fazer frio,
mas tu
já nem o ar sentias, o próprio
sexo
que sempre fora fonte agora
apunhalado.
Um poeta, mesmo solar como tu,
na terra
é pouca coisa; uma navalha, o
rumor
de Abril podem matá-lo —
amanhece,
os primeiros autocarros já
passaram,
as fábricas abrem os portões, os
jornais
anunciam greves, repressão, dois
mortos na primeira
página, o sangue apodrece ou
brilhará
ao sol, se o sol vier, no meio
das ervas.
O assassino esse seguirá dia
após dia
a insultar o amargo coração da
vida;
no tribunal insinuará que
respondera apenas
a uma agressão (moral) com outra
agressão,
como se alguém ignorasse,
excepto claro
os meritíssimos juízes, que as
putas desta espécie
confundem moral com o próprio
cu.
O roubo chega e sobra
excelentíssimos senhores
como móbil de um crime que os
fascistas,
e não só os de Salò, não se
importariam de assinar.
Seja qual for a razão, e muitas
há
que o Capital a Igreja e a
Polícia
de mãos dadas estão sempre
prontos a justificar,
Pier Paolo Pasolini está morto.
A farsa a nojenta farsa essa
continua.
Imagem: retrato de Eugénio de Andrade por Carlos Botelho
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