domingo, 2 de fevereiro de 2020

A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL (V)




A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL (V)


Um olhar atento da gravura que representa a aplicação da pena de morte pelo fogo, em Lisboa, aos réus sentenciados pela Inquisição após um auto da fé, deixa perceber como os familiares do Santo Ofício que os acompanhavam usavam armas durante a cerimónia. 

Não é esse o único detalhe que confere verosimilhança à cena imaginada pelo escocês Michael Geddes, que residiu em Lisboa como capelão da comunidade inglesa, entre 1678 e 1686. Ele viu o espectáculo do castigo e dele deixou uma representação quase fotográfica. Não há traços dos inquisidores nem da Inquisição (nesta fase fora de cena), há fumo negro, a imensa multidão, os guardas régios que a contêm, feixes de lenha para fazer arder mais vivo o fogo, um dominicano que parece explicar algo a um nobre de capa vermelha. 

No primeiro plano, religiosos brandindo crucifixos, entre os quais, um jesuíta, todo trajado de negro, prestando um último conforto aos padecentes. Até o cão branco que vigia um dos supliciados parece não ser ali inocente. O animal estava representado no estandarte da Inquisição de Goa e simbolizava, sustentando uma vela acesa na boca, os dominicanos, que se auto-retratavam como os cães de guarda da fé, defensores do rebanho de Cristo ameaçado pelas heresias. 

À minuciosa observação de Geddes não escapou um franciscano, ajoelhado, de mãos postas, em posição orante, possivelmente rezando por aquelas almas «perdidas» que se consumiam nas chamas. Tem alguma dominância na gravura, quase só, numa espécie de arena branca no meio da agitação. É que naquele drama também havia os que rezavam, convictos de que o fogo, se castigava, igualmente purificava os que nele ardiam, bem como toda a comunidade que através dele se libertava daqueles que com as heréticas crenças a contaminavam, a tornavam impura. 

Mas lá estava a Inquisição para a resgatar. Havia que dar graças a Deus.  




in “História da Inquisição Portuguesa” – Giuseppe Marcocci e José Pedro Paiva.

Imagem: desenho de Michael Geddes

Sem comentários:

Enviar um comentário

MALMEQUER

MALMEQUER Português, ó malmequer Em que terra foste semeado? Português, ó malmequer Cada vez andas mais desfolhado Ma...