A
INQUISIÇÃO EM PORTUGAL (V)
Um olhar atento da gravura
que representa a aplicação da pena de morte pelo fogo, em Lisboa, aos réus
sentenciados pela Inquisição após um auto da fé, deixa perceber como os
familiares do Santo Ofício que os acompanhavam usavam armas durante a
cerimónia.
Não é esse o único detalhe que confere verosimilhança à cena
imaginada pelo escocês Michael Geddes, que residiu em Lisboa como capelão da
comunidade inglesa, entre 1678 e 1686. Ele viu o espectáculo do castigo e dele
deixou uma representação quase fotográfica. Não há traços dos inquisidores nem da
Inquisição (nesta fase fora de cena), há fumo negro, a imensa multidão, os
guardas régios que a contêm, feixes de lenha para fazer arder mais vivo o fogo,
um dominicano que parece explicar algo a um nobre de capa vermelha.
No primeiro
plano, religiosos brandindo crucifixos, entre os quais, um jesuíta, todo
trajado de negro, prestando um último conforto aos padecentes. Até o cão branco
que vigia um dos supliciados parece não ser ali inocente. O animal estava
representado no estandarte da Inquisição de Goa e simbolizava, sustentando uma
vela acesa na boca, os dominicanos, que se auto-retratavam como os cães de
guarda da fé, defensores do rebanho de Cristo ameaçado pelas heresias.
À
minuciosa observação de Geddes não escapou um franciscano, ajoelhado, de mãos postas,
em posição orante, possivelmente rezando por aquelas almas «perdidas» que se
consumiam nas chamas. Tem alguma dominância na gravura, quase só, numa espécie
de arena branca no meio da agitação. É que naquele drama também havia os que
rezavam, convictos de que o fogo, se castigava, igualmente purificava os que
nele ardiam, bem como toda a comunidade que através dele se libertava daqueles
que com as heréticas crenças a contaminavam, a tornavam impura.
Mas lá estava a
Inquisição para a resgatar. Havia que dar graças a Deus.
in “História da Inquisição Portuguesa” – Giuseppe
Marcocci e José Pedro Paiva.
Imagem: desenho de Michael Geddes
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