FERNANDO PESSOA
(Lisboa, Portugal, 1888 - 1935)
Poeta, dramaturgo filósofo
***
UMA DAS REGRAS
FUNDAMENTAIS DO RACIOCÍNIO
Uma das regras fundamentais do raciocínio é distinguir o fundamental e o acidental em determinada teoria, distinguir a teoria essencial e a aplicação particular que um ou outro lhe dê.
Assim,
se discutirmos o problema da existência de Deus, devemos começar por definir o
que se entende por Deus nesse problema. Se se entende, como é de presumir, um
ente espiritual supremo, criador do mundo, então, nesse sentido, examinaremos o
problema, não o misturando com o problema acidental da existência ou não
existência de um Deus omnipotente, ou bom, ou infinito.
Este
último é um conceito particular de Deus, não o conceito geral. É concebível um
ente criador finito do mundo; é concebível um criador do mundo que não seja mau
nem bom; é concebível um criador do mundo que não seja omnipotente. Cumpre, em
suma, distinguir a ideia geral de Deus da ideia particular de Deus na Igreja
Católica ou qualquer outra Igreja. Sem fazer esta distinção, não estaremos
examinando o problema, mas outro problema.
Por
isso o que há de fundamental em raciocínio é definir os termos que se vão
empregar, ou os que se vão analisar. Muitas discussões resultam frustes e
inúteis porque, girando em torno de certo termo, cada contendor dá a esse termo
um sentido diferente; de modo que, julgando que estão discutindo a mesma coisa,
estão, ao contrário, discutindo coisas diferentes. Já tem sucedido, por este
erro, estarem discordando contendores que estão de acordo, e que o verificariam
logo se começassem por definir, limitar, compreender o que é que, em suma,
estão discutindo.
in “Textos Filosóficos” - Estabelecidos e prefaciados por António de
Pina Coelho
Imagem: pintura de Júlio Pomar
Sem comentários:
Enviar um comentário