terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

FERNANDO PESSOA - Uma das regras fundamentais do raciocínio



FERNANDO PESSOA
(Lisboa, Portugal, 1888 - 1935)
Poeta, dramaturgo filósofo

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UMA DAS REGRAS FUNDAMENTAIS DO RACIOCÍNIO


Uma das regras fundamentais do raciocínio é distinguir o fundamental e o acidental em determinada teoria, distinguir a teoria essencial e a aplicação particular que um ou outro lhe dê.

Assim, se discutirmos o problema da existência de Deus, devemos começar por definir o que se entende por Deus nesse problema. Se se entende, como é de presumir, um ente espiritual supremo, criador do mundo, então, nesse sentido, examinaremos o problema, não o misturando com o problema acidental da existência ou não existência de um Deus omnipotente, ou bom, ou infinito.

Este último é um conceito particular de Deus, não o conceito geral. É concebível um ente criador finito do mundo; é concebível um criador do mundo que não seja mau nem bom; é concebível um criador do mundo que não seja omnipotente. Cumpre, em suma, distinguir a ideia geral de Deus da ideia particular de Deus na Igreja Católica ou qualquer outra Igreja. Sem fazer esta distinção, não estaremos examinando o problema, mas outro problema.

Por isso o que há de fundamental em raciocínio é definir os termos que se vão empregar, ou os que se vão analisar. Muitas discussões resultam frustes e inúteis porque, girando em torno de certo termo, cada contendor dá a esse termo um sentido diferente; de modo que, julgando que estão discutindo a mesma coisa, estão, ao contrário, discutindo coisas diferentes. Já tem sucedido, por este erro, estarem discordando contendores que estão de acordo, e que o verificariam logo se começassem por definir, limitar, compreender o que é que, em suma, estão discutindo.




in “Textos Filosóficos” - Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho
Imagem: pintura de Júlio Pomar






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