sábado, 2 de maio de 2020

ALEXANDRE O'NEILL – Amália



ALEXANDRE O'NEILL
(Lisboa, Portugal, 1924 - 1986)
Poeta

***
Foi um dos fundadores do Movimento Surrealista de Lisboa.
***
AMÁLIA


Eu já não sei, quando te ouço,
se como caracóis ou mastigo alecrim,
se me derramo pelo amor ou por um banco de jardim,
se a gaivota voa fora ou voa dentro de mim,
se, coisa cantante, um sentimento pode
apodrecer ao sol,
se o desgosto é gosto, ou o gosto é desgosto,
se hei-de ir a Viana ou derivar por Lisboa,
até onde a voz se faz mais rouca.

Eu já não sei, quando te ouço,
que pedrinhas atirar e a que janelas,
que caretas fazer às feias, quer dizer, às menos belas,
que mãos beijar, trincar, devorar
e que anéis cuspir para as valetas.


Eu já não sei, quando te ouço,
se trepe a estilita ou mergulhe num poço.

Eu já não sei, Amália,
donde vem, para onde vai a tua voz,
que rapaz, que rapariga
estão prometidos (e tão sós!) na tua voz.




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