CRUELDADE E
SOFRIMENTO
A crueldade é constitutiva do universo, é
o preço a pagar pela grande solidariedade da biosfera, é ineliminável da vida
humana. Nascemos na crueldade do mundo e da vida, a que acrescentámos a
crueldade do ser humano e a crueldade da sociedade humana.
Os recém-nascidos nascem com gritos de dor. Os animais dotados de sistemas nervosos sofrem, talvez os vegetais também, mas foram os humanos que adquiriram as maiores aptidões para o sofrimento ao adquirirem as maiores aptidões para a fruição.
Os recém-nascidos nascem com gritos de dor. Os animais dotados de sistemas nervosos sofrem, talvez os vegetais também, mas foram os humanos que adquiriram as maiores aptidões para o sofrimento ao adquirirem as maiores aptidões para a fruição.
A
crueldade do mundo é sentida mais vivamente e mais violentamente pelas
criaturas de carne, alma e espírito, que podem sofrer ao mesmo tempo com o
sofrimento carnal, com o sofrimento da alma e com o sofrimento do espírito, e
que, pelo espírito, podem conceber a crueldade do mundo e horrorizar-se com
ela.
A crueldade entre homens, indivíduos,
grupos, etnias, religiões, raças é aterradora. O ser humano contém em si um
ruído de monstros que liberta em todas as ocasiões favoráveis.
O ódio
desencadeia-se por um pequeno nada, por um esquecimento, pela sorte de outrem,
por um favor que se julga perdido. O ódio abstracto por uma ideia ou uma
religião transforma-se em ódio concreto por um indivíduo ou um grupo; o ódio
demente desencadeia-se por um erro de percepção ou de interpretação.
O egoísmo, o desprezo, a indiferença, a desatenção agravam por todo o lado e sem tréguas a crueldade do mundo humano. E no subsolo das sociedades civilizadas torturam-se animais para o matadouro ou a experimentação.
O egoísmo, o desprezo, a indiferença, a desatenção agravam por todo o lado e sem tréguas a crueldade do mundo humano. E no subsolo das sociedades civilizadas torturam-se animais para o matadouro ou a experimentação.
Por saturação, o excesso de
crueldade alimenta a indiferença e a desatenção, e de resto ninguém poderia
suportar a vida se não conservasse em si um calo de indiferença.
EDGAR MORIN (França, 1921), in “Os
Meus Demónios”
Imagem: pintura de Pieter
Bruegel, "O Velho"
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