António Botto nasceu em
Concavada, Abrantes, no dia 17 de Agosto de 1897 e viveu até 17 de Março de
1959.
Foi poeta, ficcionista e autor dramático, figura de referência do
modernismo português.
Em 1924, viajou para Angola, onde trabalhou em Santo António do Zaire
e Luanda.
O livro de poesia, "Canções", é
a sua mais conhecida e polémica obra literária.
Em colaboração com Fernando
Pessoa, editou a “Antologia de Poemas Portugueses Modernos”.
Escreveu o “Livro das Crianças”, uma colecção de contos infantis, que
obteve grande sucesso. Foi oficialmente aprovado como leitura escolar na
Irlanda. Traduzido por Alice Lawrence Oram, o livro foi publicado com o título
“The Childreen´s Book”.
Desgostoso com a sociedade conservadora e moralista em Portugal, emigrou para o Brasil, em 1947.
Residiu em S. Paulo e depois no Rio de Janeiro.
Escreveu artigos em jornais Portugueses e Brasileiros, participou em
programas de rádio e organizou récitas de poesia em diversas instituições.
O seu espólio foi doado, postumamente, à Biblioteca Nacional, em 1989.
Poema de Cinza
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão -
Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boémia
Coberta de farrapos e de estrelas,
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma: Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio de descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo...
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes...
E a mesma intriga: as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver -
Sem estímulo, sem fé, sem convicção...
A nossa natural angústia de pensar -
Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!
Nota: Este poema foi escrito por António Botto, em homenagem ao seu amigo
Fernando Pessoa.
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