Senhores
eleitores do círculo eleitoral de Sintra.
Acabais
de me dar uma demonstração de confiança, escolhendo-me para vosso procurador no
parlamento: sinto que me não seja permitido aceitá-la.
Se tal escolha não foi uma
daquelas inspirações que vêm ao mesmo tempo ao espírito do grande número, o que
é altamente improvável, porque o meu nome deve ser desconhecido para muitos de
vós; se alguém, se pessoas preponderantes nesse círculo, pelo conceito que vos
merecem, vos apresentaram a minha candidatura, andaram menos prudentemente,
fazendo-o sem me consultarem, e promovendo uma eleição inútil.
(…) Duas vezes nos comícios
populares, muitas na imprensa tenho manifestado a minha íntima convicção de que
nenhum círculo eleitoral deve escolher para seu representante indivíduo que lhe
não pertença; que por larga experiência não tenha conhecido as suas
necessidades e misérias, os seus recursos e esperanças; que não tenha com os
que o elegeram comunidade de interesses, interesses que variam, que se
modificam, e até se contradizem, de província para província, de distrito para
distrito, e às vezes de concelho para concelho.
(…) Durante meses, no decurso
de dois anos, tive de vagar pelos distritos centrais e setentrionais do reino.
Pude então observar amplamente quantas misérias, quanto abandono, quantos
vexames pesam sobre os habitantes das províncias, principalmente dos distritos
rurais, como o vosso, que constituem a grande maioria do país. Vi com dor e
tristeza definhados e moribundos os restos das instituições municipais que o
absolutismo nos deixara.
(…) Mas, pensando assim, como
poderia eu, sem desmentir a minha consciência e as minhas palavras; sem trair a
verdade, sem vos trair a vós próprios, aceitar em silêncio o vosso mandato? É
honroso merecer a confiança dos nossos concidadãos, mas é mais honroso viver e
morrer honrado.
(…) Não haverá no meio de vós
um proprietário, um lavrador, um advogado, um comerciante, qualquer indivíduo,
que, ligado convosco por interesses e padecimentos comuns, tenha pensado na
solução das questões sociais, administrativas e económicas que vos importam; um
homem de cuja probidade e bom juízo o trato de muitos anos vos tenha
certificado? Há, sem dúvida. Porque, pois, não haveis de escolhê-lo para vosso
mandatário?
(…) Permiti-me,
senhores eleitores, que termine esta carta, já demasiado extensa,
reiterando-vos os protestos da minha gratidão pela vossa bondade para comigo, e
assegurando-os que, se me falece ambição para aceitar os vossos votos
contradizendo as minhas opiniões, sobeja-me avareza para buscar não perder
jamais um ceitil da vossa estima.
Alexandre Herculano
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