segunda-feira, 31 de agosto de 2020

EU NUNCA FUI CANTADOR




EU NUNCA FUI CANTADOR

Eu nunca fui cantador,
Nem nos descantes achado;
Passo a vida a trabalhar,
Trago o meu corpo maçado.

A vida que te darei,
Já a podes ir sabendo;
Trabalharemos os dois,
Assim iremos vivendo.

Nesta vida de ganhão,
Nem se pode namorar;
De dia ganha-se o pão,
A noite é p’ra descansar.

Ó meu bem apaga a luz,
Apaga-a vai-te deitar;
Já passa da meia-noite,
São horas de descansar.

Canta amor, canta comigo,
Já qu’outra alegria não temos;
Basta termos a certeza,
Que nunca nos apartemos.



Cancioneiro Popular - Quadras recolhidas por José Leite de Vasconcelos, filólogo, etnógrafo (Portugal, 1858 – 1941).
Imagem: pintura de José Malhoa (Caldas da Rainha, Portugal, 1855 – Figueiró dos Vinhos, 1933).


domingo, 30 de agosto de 2020

LIMA DE FREITAS – VIEIRA DA SILVA e os seres dos espelhos (III)



LIMA DE FREITAS
(Setúbal, Portugal, 1927 — Lisboa, 1998)
Pintor, desenhador, escritor

***

VIEIRA DA SILVA E OS SERES DOS ESPELHOS (III)

(continuação)


Em 1930, Maria Helena Vieira da Silva, casa com o pintor húngaro Arpad Szenes, que conhecera na academia de desenho e pintura «La Grande Chaumière» e, três anos depois, inicia verdadeiramente a sua carreira. 

Com efeito, é em 1933 que a célebre Jeanne Bûcher revela a nossa compatriota ao grande público parisiense, ao organizar a primeira exposição de Vieira da Silva na sua importante galeria. Desde então a série das suas exposições nunca mais se interrompe, o seu nome vai conquistando gradualmente a notoriedade e, finalmente, a celebridade. 

Nem a guerra mundial conseguiu interromper a sua obra e a sua ascensão. Em 1939 Vieira da Silva vem a Portugal; já expusera em Lisboa, nomeadamente em 1935 e 1936, na galeria UP, mas sem que a sua presença tenha acordado o eco que merecia; desta vez, e de novo, a estadia em Lisboa foi breve. 

Vieira da Silva parte, poucos meses depois, para o Brasil, onde se demora sete anos. Aí a sua actividade reforça-se, ao contacto com a natureza impetuosa e a selva do jovem gigante que é esse imenso país. 

Ilustra vários livros, entre eles livros da poetisa Cecília Meireles, livros infantis, uma antologia de clássicos franceses editada no Rio de Janeiro, etc. Scliar e Santos realizam, em 1946, um filme sobre a já então famosa pintora francesa.

(continua)


in ”Voz Visível” – Ensaios – 1971





sábado, 29 de agosto de 2020

GUNNAR EKELÖF - Fundi uma bala para ti



GUNNAR EKELÖF
(Estocolmo, Suécia – 1907 - 1968)
Poeta, escritor, tradutor

***

       FUNDI UMA BALA PARA TI


Fundi uma bala para ti
para te atingir no meu próprio coração
É de pedra, talhada por forçados
É de chumbo, temperado no sangue
É de ferro, temperada no mel
É de minério, talhada
em toscas mordeduras
para mais dilacerar
para que sintas enfim
o que quer dizer morte de amor.




Tradução: Vasco Graça Moura





sexta-feira, 28 de agosto de 2020

A HISTÓRIA DE GENJI




A HISTÓRIA DE GENJI

Romance do princípio do século XI considerado geralmente uma das maiores obras da literatura japonesa.

Foi escrito pelo romancista e diarista SHIKIBU MURASAKI, provavelmente para entreter a imperatriz Akiko, a quem servia.

Os 54 capítulos fazem a crónica dos romances do príncipe fictício Genji e oferecem fascinantes observações da vida na corte japonesa.  




in “Literatura”
Imagem: ilustração de Tosa Mitsuoki




quinta-feira, 27 de agosto de 2020

O QUE ELES PENSAVAM SOBRE O JORNALISMO




O QUE ELES PENSAVAM SOBRE O JORNALISMO


EÇA DE QUEIRÓS: O jornal exerce todas as funções do defunto Satanás, de quem herdou a ubiquidade; e é não só o pai da mentira, mas o pai da discórdia.

OSCAR WILDE: O jornalismo moderno tem uma coisa a seu favor. Ao nos oferecer a opinião dos deseducados, ele mantém-nos em dia com a ignorância da comunidade.

ADLAI STEVENSON: Um editor de jornal é alguém que separa o joio do trigo - e publica o joio.

GUSTAVE FLAUBERT: Considero como uma das felicidades da minha vida não escrever nos jornais; isto faz mal ao meu bolso, mas faz bem à minha consciência.

JOAQUIM NABUCO: Uma das maiores burlas dos nossos tempos terá sido o prestígio da imprensa. Atrás do jornal, não vemos os escritores, compondo a sós o seu artigo. Vemos as massas que o vão ler e que, por compartilhar dessa ilusão, o repetirão como se fosse o seu próprio oráculo

HONORÉ DE BALZAC: O jornalismo é uma catapulta imensa, posta em movimento por ódios mesquinhos.

VICTOR HUGO: Uma calúnia na imprensa é como a relva num belo prado: cresce por si mesma.

BERNARD SHAW: Um jornal é um instrumento incapaz de discernir entre uma queda de bicicleta e o colapso da civilização.

CLARICE LISPECTOR: Não gosto de dar entrevistas: as perguntas me constrangem, custo a responder, e, ainda por cima, sei que o entrevistador vai deformar fatalmente minhas palavras.

CARLOS MALHEIRO DIAS: A coragem de afirmar asneiras é uma das características da improvisação jornalística.

JULES D'AUREVILLY: Os jornais, que deveriam ser os educadores do público, nada mais são que cortesãos dele, quando não suas cortesãs.

MARCEL PROUST: O que censuro aos jornais é fazer-nos prestar atenção todos os dias a coisas insignificantes, ao passo que nós lemos três ou quatro vezes na vida os livros em que há coisas essenciais.

UMBERTO ECO: Os jornais mentem, os historiadores mentem, a televisão mente.

MIA COUTO: Temos que ter cautela sobre a facilidade com que invadimos a alma dos outros. Quem nos autoriza a falar com tanta ligeireza dos outros? Nenhuma cidadania me pode dar esse direito de falar em público sobre a intimidade de seja quem for. Podemos discutir casos gerais, princípios, ideias, mas não temos o direito de trazer para o jornal os assuntos da alma e do coração de qualquer cidadão.





quarta-feira, 26 de agosto de 2020

FERNANDO PESSOA - Quinto Império



FERNANDO PESSOA
(Lisboa, Portugal, 1888 - 1935)
Poeta, dramaturgo, filósofo

***

QUINTO IMPÉRIO

Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz —
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.


Grécia, Roma, Cristandade,
Europa - os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?







terça-feira, 25 de agosto de 2020

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - A melhor opção



CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
(Itabira, Brasil, 1902 - Rio de Janeiro, 1987)

*

A MELHOR OPÇÃO

Todos começaram a dizer que o ouro é a melhor opção de investimento. Fernão Soropita deixou-se convencer e, não tendo recursos bastantes para investir na Bolsa de Zurique, mandou fazer uma dentadura de ouro maciço.
Substituir sua dentadura convencional por outra, preciosa e ridícula, valeu-lhe aborrecimentos. O protético não queria aceitar a encomenda; mesmo se esforçando por executá-la com perfeição, o resultado foi insatisfatório. O aparelho não aderia à boca. Seu peso era demasiado. A cada correcção diminuía o valor em ouro. E o ouro subindo de cotação no mercado internacional.
O pior é que Fernão passou a ter medo de todos que se aproximavam dele. O receio de ser assaltado não o abandonava. Deixou de sorrir e até de abrir a boca.
Na calçada a moça lhe perguntou onde ficava a Rua Gonçalves Dias. Respondeu inadvertidamente, e a moça ficou fascinada pelo brilho do ouro ao sol. Daí resultou uma relação amorosa, mas Fernão não foi feliz. A jovem apaixonara-se pela dentadura e não por ele. Mal se tornaram íntimos, arrancou-lhe a dentadura enquanto ele dormia, e desapareceu com ela.


in “Contos Plausíveis”  

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

HELDER MOURA PEREIRA - Nenhuma outra Viajará pela Sombra Comigo




HELDER MOURA PEREIRA
(Setúbal, Portugal, 1949)

Poeta, tradutor

***

Tornou-se, na segunda metade dos anos 80, um dos representantes do minimalismo pós-moderno.

***

NENHUMA OUTRA VIAJARÁ PELA SOMBRA COMIGO


Já és minha. Repousa com teu sono no meu sono.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite em suas rodas invisíveis
e ao meu lado és pura como o âmbar adormecido.
Nenhuma outra, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma outra viajará pela sombra comigo,
apenas tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.
Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixaram cair suaves signos sem rumo,
teus olhos fecharam-se como duas asas cinzentas,
enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento fiam o seu destino,
e sem ti já não sou senão apenas o teu sonho.


domingo, 23 de agosto de 2020

LIMA DE FREITAS – VIEIRA DA SILVA e os seres dos espelhos (II)



LIMA DE FREITAS
(Setúbal, Portugal, 1927 — Lisboa, 1998)
Pintor, desenhador, escritor

***

VIEIRA DA SILVA E OS SERES DOS ESPELHOS (II)

(continuação)

Maria Helena Vieira da Silva começou a viajar desde criança. Aos cinco anos de idade viu, em Londres, uma representação de «O sonho de uma noite de verão», de Shakespeare, que sua mãe já lhe contara. O espectáculo reforçou o efeito de deslumbramento que a leitura maternal tinha provocado e mergulhou-a num mundo maravilhoso e feérico, com o qual a futura artista nunca mais deixou de manter estreitas e fecundas relações.

A sua educação foi livre, variada, enriquecedora; a família jamais dificultou à inteligência e à curiosidade da jovem o acesso à cultura, ao conhecimento, à beleza. Nenhum domínio do conhecimento lhe é vedado. 

Visita a Inglaterra, a França, a Itália – onde a pintura da escola de Siena lhe aparece como uma antevisão da pintura moderna. Estuda arte, em Lisboa, com Armando de Lucena, desenvolve o gosto pela música, inicia-se na escultura. 

Aos vinte anos parte para Paris, onde estuda com Bourdelle e Despiau. Segue as lições dos conhecidos mestres de pintura Othon Friesz, Fernand Léger, e também Waroquier, Dufresne, Bissière; aprende gravura com Hayter.

(continua)


in ”Voz Visível” – Ensaios – 1971




sábado, 22 de agosto de 2020

VELIMIR KHLÉBNIKOV – A Encantação pelo Riso



VELIMIR KHLÉBNIKOV
(Rússia, 1885 – 1922)
Poeta

***

A ENCANTAÇÃO PELO RISO

Ride, ridentes!
Derride, derridentes!
Risonhai aos risos, rimente risandai!
Derride sorrimente!
Risos sobrerrisos - risadas de sorrideiros risores!
Hílare esrir, risos de sobrerridores riseiros!
Sorrisonhos, risonhos,
Sorride, ridiculai, risando, risantes,
Hilariando, riando,
Ride, ridentes!
Derride, derridentes!





Tradução: Haroldo de Campos







sexta-feira, 21 de agosto de 2020

RUDYARD KIPLING - Se



RUDYARD KIPLING
(Bombaim, Índia, 1865 - Londres, Reino Unido, 1936)
Poeta

***

Tendo nascido e vivido na Índia, aí se desenrola a acção dos seus romances e contos mais importantes, cheios de patriotismo e enaltecimento do império britânico.
Ganhou o Prémio Nobel de Literatura em 1907.

***
SE

Se podes conservar o teu bom senso e a calma
No mundo a delirar para quem o louco és tu...
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê...Se vais faminto e nu,
Trilhando sem revolta um rumo solitário...
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão...

Se podes dizer bem de quem te calunia...
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor.
(Mas sem a afectação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)...
Se podes esperar sem fatigar a esperança...
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho...
Fazer do pensamento um arco de aliança
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho...

Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores...
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo o amor dos teus amores...
Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste...

Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste,
Voltares ao princípio, a construir de novo...
Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos,
Só exista a vontade a comandar avante...

Se, vivendo entre o povo, és virtuoso e nobre...
Se, vivendo entre os reis, conservas a humildade...
Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti à luz da eternidade...
Se quem conta contigo encontra mais que a conta...
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minuto se espraia em séculos fecundos...

Então, ó ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os tempos, os espaços!...
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu,
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.
Pairando numa esfera acima deste plano,
Sem receares jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te, meu filho, então serás um homem!...



Tradução: Félix Bermudes 

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

CARMEN



CARMEN

Ópera em quatro actos, com libreto de Henri Leilhac e Ludovic Halevy, baseado na novela Carmen de Prosper Merimée, e música de Georges Bizet. Estreada no Teatro Nacional da Ópera de Paris, em 3 de Março de 1875.

*
A acção situa-se em Espanha, pelo ano de 1820. 
Conta a história da bela cigana Carmen que enfeitiça um cabo Dom José. Este deserta do regimento para ficar com ela, mas Carmen em breve se cansa dele e junta-se com o toureiro Escamillo. O rejeitado José mata Carmen, apunhalando-a.

Sendo actualmente uma das óperas mais populares em todo o Mundo, Carmen foi um fracasso ao ser apresentada pela primeira vez em Paris (o público ficou chocado com o realismo ousado), e o compositor Georges Bizet, desapontado, morreu pouco tempo depois.




in “Óperas Imortais”




quarta-feira, 19 de agosto de 2020

ARMINDO RODRIGUES - Homem, abre os olhos e verás



ARMINDO RODRIGUES
(Lisboa, Portugal, 1904 – 1993)
Poeta, tradutor

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Ligado ao movimento neo-realista, manteve-se fiel ao lirismo português. A partir de 1970 corrigiu e depurou os poemas publicados, trabalho que deu por concluído em 1986, ficando a sua obra poética a constar de 59 títulos. Neste mesmo ano deu a lume Um Poeta Recorda-se.

in “Livro dos Portugueses”

***

HOMEM, ABRE OS OLHOS E VERÁS

Homem,
abre os olhos e verás
em cada outro homem um irmão.

Homem,
as paixões que te consomem
não são boas nem más.
São a tua condição.

A paz,
porém, só a terás
quando o pão que os outros comem,
homem,
for igual ao teu pão






terça-feira, 18 de agosto de 2020

FRANCESCO PETRARCA - O Amor que Abandonaste



FRANCESCO PETRARCA
(Itália, 1304 - 1374)
Poeta, filósofo

***

Parte das suas obras são escritas em latim erudito e de influência escolástica, destacando-se de entra elas o poema África, as Epístolas, as Confissões, Sobre os Homens Ilustres ou Segredo, mas foi sobretudo a sua poesia lírica, em Il Canzoneri que mais lhe deu notoriedade contribuindo profundamente para a fixação da língua italiana. 
Em 1341, Petrarca recebeu o maior galardão dos poetas, sendo coroado no Capitólio.

in “Enciclopédia Portuguesa”

***
O AMOR QUE ABANDONASTE

Alma tão bela desse nó já solta
Que mais belo não sabe urdir natura,
Tua mente volve à minha vida obscura
Do céu à minha dor em choro envolta.

Da falsa suspeição liberta e absolta
Que outrora te fazia acerba e dura
A vista em mim pousada, ora segura
Podes fitar-me, e ouvir-me a ânsia revolta.

Olha do Sorge a montanhosa fonte
E verás lá aquele que entre o prado e o rio
De recordar-te e de desgosto é insonte.

Onde está teu albergue, onde existiu
O amor que abandonaste. E o horizonte
De um mundo que desprezas, torpe e frio.



Tradução: Jorge de Sena

MALMEQUER

MALMEQUER Português, ó malmequer Em que terra foste semeado? Português, ó malmequer Cada vez andas mais desfolhado Ma...