segunda-feira, 10 de agosto de 2020

O TÚMULO MAIS BELO DO MUNDO




O TÚMULO MAIS BELO DO MUNDO


Na Rússia, nada vi de mais majestoso e mais comovedor do que o túmulo de TOLSTOI.

Solitário, distante, todo encastoado na floresta, assim contemplamos o famoso local de peregrinação e respeito para as raças futuras.

Conduz a esta colina um estreito atalho, como que traçado ao acaso através de clareiras e terreno arborizado – e a colina não passa de um pequeno montículo de terra, por ninguém vigiado, por ninguém guardado, à sombra de algumas grandes árvores. E estas árvores tão altas, docemente embaladas pelo vento da Primavera, foi Tolstoi quem as plantou, segundo me diz a sua neta.

Quando rapazes, ele e o irmão Nicolau tinham ouvido contar à ama ou a qualquer mulher da aldeia, a velha lenda de que era lugar de felicidade aquele onde se plantavam árvores. Por brincadeira, plantaram alguns rebentos na quinta que lhes pertencia e em breve esqueceram o passatempo de crianças.

Só mais tarde se lembrou Tolstoi desta ocorrência e do estranho convite à felicidade, a que o homem, cansado da vida, deu um significado novo, mais belo. E manifestou, imediatamente, o desejo de ser enterrado debaixo dessas árvores que plantara. Assim aconteceu, de acordo com a vontade de Tolstoi, e é o túmulo mais belo, mais expressivo, mais impressionante do Mundo.

Dentro da floresta, uma pequena elevação rectangular, coberta de flores; nem uma pedra tumular, nem uma coroa, nem sequer o nome de Tolstoi.

O grande homem repousa, sem uma inscrição, como se fora vagabundo, encontrado por acaso, ou soldado desconhecido, esse que tanto sofreu debaixo do preço da glória, acarretada pelo seu nome.

A ninguém é recusado aproximar-se do último asilo onde descansa; não está fechada a ligeira vedação em volta – de guarda ao túmulo de Tostoi só o respeito dos homens que habitualmente, por curiosidade, vêm perturbar os túmulos dos grandes. Aqui, porém, a estranha simplicidade impede todo o desejo de exibição e proíbe toda a palavra, dita em voz alta.

Nas árvores perpassa o vento sobre o túmulo do homem sem nome e o Sol ardente nele vem pousar; no Inverno, a neve branca cobre a terra escura; e, de Inverno e de Verão, poderíamos passar, sem uma indicação que nos aponte que este pequeno rectângulo de terra recebeu em si um dos homens mais poderosos do nosso tempo.

Mas é precisamente este anonimato que nos impressiona com mais profunda emoção do que todo o mármore, toda a pompa imaginável entre as centenas de criaturas que este dia excepcional hoje levou ao seu túmulo, ninguém teve coragem para arrancar uma só flor de sobre o escuro montículo e levá-la como lembrança.
Nada neste Mundo actua com a força monumental, exercida pelo extremo da simplicidade.

A cripta de Napoleão, debaixo da arcaria marmória dos Inválidos, o túmulo de Goëthe, em Weimar, no panteão principesco, o sarcófago de Shakespeare, na Abadia de Westminster, não conseguem comover fortemente a parte mais humana em cada criatura, como este túmulo maravilhoso, tão emocionante no seu silêncio, este túmulo sem nome, perdido na floresta acariciada pelo vento, este túmulo sem mensagem, sem palavras escritas!     





in “Impressões e Ideias”- Stefan Zweig








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