Wenceslau
de Morais (Lisboa, Portugal,
1854 – Tokushima, Japão, 1929) foi escritor, poeta, tradutor e militar da Marinha
Portuguesa.
É, sem dúvida, o grande orientalista da literatura portuguesa,
dos finais do século XIX, princípios do século XX, tendo publicado muitos
livros notáveis sobre o Japão.
Algumas das suas obras: Traços
do Extremo Oriente, Notícias do Exílio Nipónico, Fernão Mendes Pinto no Japão, Osoroshi.
Palavras de Wenceslau de Morais:
“A mania de escrever acarreta por si só muitos
enfados, muitos desgostos, e até muitas desgraças. Eu tenho passado a vida a
rabiscar coisas. Que tenho ganho com isso? Nada!”
Aqui
Aqui, entre os juncos e as flores do lótus,
compreendi que o inferno e o céu,
por mais que os deuses e os livros nos levem
a pensar o contrário, estão no coração do homem.
Eu conheci ambos deambulando por dentro de mim
e fazendo da sombra um desejo de luz
e da luz um secreto desejo de sombra.
Não foi o sol que me queimou o rosto,
foi o lume das inquietações fatais,
e quedei-me assim, apátrida e só,
numa terra a que chamo minha
mas que faz o longe tornar-se fatalidade.
Apego-me à sabedoria volátil e certa dos provérbios
e aprendo neles que sou, que sempre fui,
um insecto do estio a voar para a chama
e que após a neve vem o Nirvana.
Sempre encaminhei os meus passos na direcção da luz,
mas foi a treva que encontrei, fixando os pedaços
de reboco que se soltam do tecto
presos ao voo dos besouros, enquanto
eu me perco no labirinto da minha solidão.
Vê como eu morro devagar
enquanto a chuva desenha na poeira
as metáforas do Outono e do assombro.
Vê como eu apodreço à ilharga da música
que sai do interior das conchas
junto à rebentação das ondas,
no sítio onde os poetas há muito
deixaram de escrever e de sonhar.
Vê como eu me torno estrangeiro absoluto
numa terra que quer ser minha
mas que eu não consigo guardar no coração
como coisa essencial da minha vida.
Wenceslau de Morais, in “O Profeta do Orvalho”