Natália Correia (Fajã de Baixo,
São Miguel, Açores, Portugal, 1923 – Lisboa, Portugal, 1993).
A
linguagem viva e a versatilidade dos géneros caracterizam-lhe a obra, que
engloba teatro, romance, poesia e ensaio.
Foi
uma mulher notável, multifacetada, provocante, apaixonada da liberdade, que
marcou uma época nas letras e na política.
Recusou, ao longo da sua vida, as sucessivas arrumações da
sua obra em géneros literários.
Palavras de
Natália Correia:
“O espírito
manifesta-se de diversas formas divinas, que são os deuses. É isso o
politeísmo! O politeísmo é a própria demonstração de que a unidade está no
espírito e que os deuses são facetas dessa unidade. Eu sou uma espiritualista!”
Cântico do País Emerso
Os previdentes e os presidentes tomam de ponta
Os inocentes que têm pressa de voar
Os revoltados fazem de conta fazem de conta...
Os revoltantes fazem as contas de somar.
Embebo-me na solidão como uma esponja
Por becos que me conduzem a hospitais.
O medo é um tenente que faz a ronda
E a ronda abre sepulcros fecha portais;
Os edifícios são malefícios da conjura
Municipal de um desalento e de uma Porta.
Salvo a ranhura para sair o funeral
Não há inquilinos nos edifícios vistos
por fora
Que é dos meninos com cataventos na aérea
Arquitetura de gargalhadas em cornucópia?
Almas bovinas acomodadas à matéria
Pastam na erva entre as ruínas da
memória,
Homens por dentro abandalhados em unhas sujas
Que desleixaram seu coração num bengaleiro;
Mulheres corujas seriam gregas não fossem as negras
Nódoas deixadas na sua carne pelo
dinheiro;
Jovens alheios à pulcritude do corpo em festa
Passam por mim como alamedas de ciprestes
E a flor de cinza da juventude é uma aresta
Que me golpeia abrindo vácuos de flores
silvestres
E essa ansiedade de mim mesma me virgula
Paula de pátria entressonhada. É um crisol.
E, o fruto agreste da linfa ardente que em mim circula
Sabe-me a sol. Sabe-me a pássaro. Pássaro
ao sol.
Entre mim e a cidade se ateia a perspectiva
De uma angústia florida em narinas frementes.
Apalpo-me estou viva e o tacto subjectiva-me
a galope num sonho com espuma nos dentes.
E invoco-vos, irmãos, Capitães-Mores do Instinto!
Que me acenais do mar com um lenço cor da aurora
E com a tinta azulada desse aceno me pinto.
O cais é a urgência. O embarque é agora.
Natália Correia
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