terça-feira, 12 de setembro de 2017

OS AMIGOS E A BAILARINA

 

 
OS AMIGOS E A BAILARINA

Eram dois amigos inseparáveis. Conheciam-se desde criança e mantinham laços indestrutíveis de amizade e carinho. Certo dia conheceram juntos uma bailarina. Que mulher aquela! Não só era amável como lindíssima e cativante. Nunca tinham visto uns olhos tão expressivos e de uma tão apelativa cor de âmbar como os dela. Chegara numa caravana. Quando os amigos a viram rodopiar à sua frente com a flexibilidade de um lírio e a energia duma torrente, apaixonaram-se de imediato por aquela jovem fascinante. Os dois amavam-na e estavam encantados com a jovem. Ela entregava-se a ambos com a mesma ternura e paixão. Passaram semanas e, um dia, um dos amigos disse ao outro:

- Vivo atormentado pela ideia de um dia podermos ficar sem ela.
- Mais cedo ou mais tarde, todos ficaremos sem tudo aquilo que temos – repôs com serenidade o outro amigo.

Passaram-se meses. Os amigos mantinham uma relação perfeita com a sugestiva bailarina. Aos amanheceres sucediam-se os entardeceres. Numa luminosa manhã estival, a mulher disse aos jovens que recebera um telegrama a anunciar-lhe que tinha trabalho como bailarina noutro país, e que devia partir para poder continuar a dançar para outras gentes. Fundiu-se num abraço de despedida cálido e afectuoso com os jovens apaixonados. Após a despedida, a bailarina partiu. Então, um dos amigos disse:

- Reparaste? Vivia atormentado porque um dia podíamos perdê-la, e assim aconteceu. Agora estou verdadeiramente desolado. Que sentido tem a minha vida? Não, não conseguirei viver sem ela. E tu, como te sentes?

O amigo respondeu com serenidade:
- Eu? Óptimo, muito bem.
- Mas como é possível? Acabas de perder uma mulher maravilhosa.

- Pensa um pouco comigo. Antes de ela ter aparecido na minha vida, eu sentia-me muito bem. Ela foi um belo presente do destino. Veio e desfrutei-a intensamente a cada instante. Enquanto esteve cá, nem por um momento, um só que fosse, deixei de senti-la e vivê-la no mais profundo de mim. Ela partiu e eu continuo a estar como estava antes que ela chegasse, ou seja, muito bem. Bem estava antes que chegasse, bem enquanto ela esteve aqui, e bem estou agora que partiu. Se estou bem comigo mesmo, poderia ser de alguma outra maneira? O destino trouxe-a; o destino levou-a. E eu sinto-me muito bem.
 
*
Quando tivermos superado as nossas carências emocionais e os nossos vazios de solidão e estivermos completos em nós mesmos, não criaremos laços de dependência, e poderemos desfrutar intensamente da relação de afecto sem estarmos subjugados e, ao mesmo tempo, sentindo-nos equilibrados e em harmonia.
 

in “Os melhores contos espirituais do Oriente” – Ramiro Valle
Imagem: pintura de Robert Heindel (USA, 1938 - 2005)

 

 

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