domingo, 10 de setembro de 2017

Poema de EUGÉNIO DE ANDRADE dedicado a VICENTE ALEIXANDRE

 
 
 
ELEGIA ENTRE ÁGUA E ÁGUA

 
Sempre foste um rio, nada mais que rio:
um rumor de sangue que canta e canta,
entre lábios e lábios, de mágoa em mágoa,
a nudez completa que te queima a garganta.

Um rio, Aleixandre, um rio de guitarras;
de guitarras não - de tesouras ou de espadas,
de sumo de limão, de mãos que se procuram
trémulas, feridas, entre pálpebras cerradas.

Assim te vejo: o rosto encostado à solidão
e as veias abertas gritando pelo mar,
Ó clara luz de Espanha entre agonia e morte,
ó flor masculina de cal e de luar!

Nem eu quero outra luz por mais azul que seja.
Não quero outra canção de neve ou de navio,
nem outro coração de peixe ou de cereja.
Quero apenas essa voz, afogar-me nesse rio.


EUGÉNIO DE ANDRADEpoeta (Fundão, Portugal, 1923 – Porto, 2005).
VICENTE ALEIXANDREpoeta (Sevilha, Espanha, 1898 – Madrid, 1984).


 

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