ÁGOTA KRISTOF
(Hungria, 1935 – Suíça, 2011)
Escritora,
poetisa
***
Saiu da Hungria após os
acontecimentos que em 1956 ensanguentaram o seu país e o deixaram mais isolado
do resto do mundo. Exilou-se em Neuchâtel, na Suíça romanda, onde começou por
trabalhar numa fábrica.
O seu primeiro romance, O Caderno Grande (antes, tinha publicado
poesia e teatro) foi um sucesso imediato. Narrado por uma par de gémeos que,
abandonados pela mãe aos cuidados de uma avó desconhecida, sobrevivem à Segunda
Guerra Mundial escondidos numa aldeia perto da cidade de fronteira ocupada
pelos alemães, é um conto cruel que mostra o mundo dos adultos visto pelos
olhos de dois rapazinhos solitários.
Escrito numa linguagem despojada e
cortante, de um realismo sem concessões, apresenta a violência, o horror, a
traição, o assassínio como situações normais.
in “Mulheres Século XX”
***
“Começamos pelos peixes.
Apanhamo-los pelo rabo e batemos-lhes com uma pedra na cabeça. Habituamo-nos
depressa a matar os animais destinados à alimentação: galinhas, coelhos, patos.
Mais tarde, matamos outros que não seria necessário matar.
Apanhamos rãs,
pregamo-las a uma tábua e abrimos-lhes a barriga. Também apanhamos borboletas,
que prendemos com alfinetes em folhas de cartão. Em breve possuímos uma bela
colecção. Um dia, penduramos o nosso gato, amarelado, num galho de uma árvore. Pendurado,
esticado, parece enorme. Tem sobressaltos e convulsões. Quando deixa de se mexer,
tiramo-lo. Fica deitado na erva, imóvel, depois, bruscamente, levanta-se e foge.
Desde
esse dia vemo-lo ao longe, de vez em quando, mas nunca mais se aproximou da casa.
Nem sequer vem beber o leite que deixamos junto à porta, num pratinho.
A Avó diz:
-
Este gato está cada vez mais selvagem.
E
nós respondemos:
-
Deixe lá, Avó, nós tratamos da saúde aos ratos.
Construímos
ratoeiras e aos ratos que lá caem afogamo-los em água a ferver.”
in”O Grande Caderno”
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