RAUL BRANDÃO
(Porto, Portugal - 1867 - Lisboa, 1930)
Escritor,
jornalista
***
O
Nevoeiro no Mar
As névoas anunciam o
inverno. Começam a vir os nevoeiros compactos, que se metem pelas narinas e
cheiram a mar e a fumo. Há-os que têm léguas de espessura e levam dias a
passar, coortes desordenadas de fantasmas enchendo todo o horizonte.
O sino tange.
Não se vê palmo adiante do nariz. Lá fora os barcos, como cegos, só se guiam pelo
som. O mar é um misterioso fantasma que os envolve. Cerração cada vez mais mole
e espessa… Só a voz se ouve, e o lamento parece vir de mais longe e de mais fundo.
Às vezes adelgaça-se um pouco na costa, e grandes rolos de fumaceira crescem do
mar sobre a terra. É o Inverno que vem aí.
A voz imensa tem já plangências de dor
– desabafar infinito de lágrimas. De sul para o norte as nuvens correm sempre, coortes
que saem das profundas, e avançam, deslizam sobre as águas sem ruído, enchendo o
céu de farrapos enormes, de fantasmas criados naquele mar salgado e que se seguem
em tropel num galope monstruoso para uma batalha desconhecida. E de quando em quando
o sino chama, chama sempre pelos homens perdidos na névoa espessa que leva dias
a passar.
in “Os Pescadores”
Imagem: retrato de Raul Brandão (1928), por
Columbano Bordalo Pinheiro.
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