MÁRIO DE
SÁ-CARNEIRO
(Lisboa, Portugal,
1890 - Paris, França, 1916)
Poeta, contista
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MARIA AUGUSTA
A
José Mântua
No
primeiro andar do prédio nº 57 da Rua Augusta, vê-se uma tabuleta com os
seguintes dizeres:
«AU NOUVEAU PARIS»
CONFECTIONS POUR DAMES
Mme ROSA SILVA.
Era nesta casa que, ainda há dois meses, trabalhava
Maria Augusta… Hoje, não; hoje já não trabalha…
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História
vulgar e banal, a desta rapariga.
Filha dum pedreiro e de
uma criada de servir, que o seu nascimento transformara em «mulher a dias»,
viera ao mundo apenas como preço dum prazer…
Aos quatro anos, sua mãe,
«para se ver livre dela» durante o dia, metera-a na mestra. Saíra aos oito, sabendo
o alfabeto: «- Nada, que numa modista já podia ganhar um tostãozito por
semana.»
Por isso, entrou para casa
duma vizinha que trabalhava para as mulheres dos operários do bairro. Passava
todo o dia a fazer recados: ia comprar dez reis de chá, pôr o caixote do lixo à
porta, levar um vestido, ouvir a descompostura inevitável: «- Faça favor de
dizer lá que a saia ficou uma porcaria! Os forros não prestam para nada! Assim
não me serve! O que não falta é modistas!»
Passados seis meses, saíra
desta casa e fora para outra; depois para outra, para muitas mais, até que aos
17 anos se encontrara no «importante atelier «Au noveau Paris» - mal parecia que
um estabelecimento frequentado pela sociedade elegante, tivesse um nome
português – ganhando 17 vinténs diários: tantos vinténs quantos os seus anos…
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Era muito formosa. Os seus
sedosos e abundantes cabelos negros, coroavam um rosto encantador. Os seus
lábios vermelhos e viçosos, pedindo beijos ardentes, serviam de cofre a uns
pedacitos do mais puro marfim. A sua pele, branca e acetinada, era o invólucro
dum corpo escultural e exuberante de vida…
**
Um dia, na rua, um homem
murmurou-lhe ao ouvido a seguinte frase:
- «Como é linda!»
Maria, ao chegar a casa,
pegou no seu pequeno espelho, colocou-o diante dela e, passado um quarto
d´hora, estava finalmente convencida de que lhe haviam dito a verdade! Sim, não
havia dúvida, era «muito bonita» …
***
Como
todas as mulheres, adorava os vestidos e as jóias.
Uma vez um sujeito, idoso
já, ofereceu-lhe, diante duma ourivesaria, um anelzito de dois mil réis. Ela
aceitou entusiasmada. O sujeito idoso pediu-lhe, em paga, um beijo. Ela deu-lhe
vinte.
Passados dias, um garboso
mancebo convidou-a para o acompanhar ao teatro. Havia de recusar semelhante
gentileza? Por certo que não…
Findo o espectáculo, o seu
companheiro meteu-se num trem com ela e, Maria, como não podia negar coisa
alguma àquele que lhe proporcionara três horas tão agradáveis, deu-lhe tudo
quanto ele lhe pediu…
***
Vertiginosamente foi
caminhando para o terrível e irremediável «fim» …
Os seus lábios, hoje, já
não são tão vermelhos, embora os cubra com carmim; a sua pele já não é tão fina
e tão branca, embora a esfregue todos os dias com glicerina, cobrindo-a depois
com pó d´arroz. No entanto, Maria Augusta, hoje, já não trabalha…
in "Primeiros Contos"