ALVES REDOL
(Vila
Franca de Xira, Portugal, 1911 – Lisboa, 1969)
Escritor
***
(…) Como rajada de vento,
os ceifeiros marcham pela seara adiante, brandindo alfaias, derrubando espigas.
Na sua frente, os cachos
adejam à viração, como um mar crispado de mareta que eles querem estagnar.
As cachopas e as velhas já
arfam pelo ímpeto do trabalho, mas não podem dar tréguas; os capatazes
continuam alertas. Arrastam-se sem alma nos braços, cabeça em rodopio, dentes
fincados. (…)
Na crista das marachas os
capatazes espiam sempre.
- Dêem a porrada pequena,
que o arroz está cabeçudo, eh, gente!...
- Que raio de serviço!... Cheguem
atrás!
Aquele vai deitando o olho
às curvas tostadas das pernas das mulheres, descompostas pelo pendor dos troncos
no lameiro.
Safo de fadigas, belisca-lhes
com a vista o capite das pernas. A saia de baixo de uma delas está rasgada e tem
manchas de sangueira pisada.
O capataz afasta a vista e
sente ganas de a mandar desferrar.
- Ora o raio!...
Dá a volta na maracha para
se afastar dela, mas o rancho descreve agora uma linha sinuosa, a procurar jeito
ao trabalho, e a saia rasgada fica de novo à sua frente.
Já lhe parece que todas as
saias de mulheres se rasgaram e têm manchas de sangueira pisada.
Ali ao pé dele grita uma papoila
– como um charco de sangue que a ceifeira deixasse o seu rasto.
in “Gaibéus”
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