CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
(Itabira, Brasil, 1902 - Rio de Janeiro, 1987)
Poeta, contista
***
A
ALMA PERDIDA
Sigefredo botou anúncio
classificado, dizendo que perdera sua alma, com promessa de gratificar quem a
encontrasse. Não explicou – nem podia – como a tinha perdido.
Apareceram algumas pessoas
trazendo pacotes com almas, e nenhuma era a dele. Não se ajustavam a seu corpo,
e, mesmo que ele quisesse fazer experiência, era evidente que não combinavam com
o jeito de Sigefredo. E ele era muito ocupado. Não tinha tempo a perder.
Já se resignara a viver
mesmo sem alma quando uma noite encontrou a desaparecida, à porta de um bar,
com aparência de pobreza, mas tranquila.
Seu primeiro impulso foi
recolhê-la, mas pensando melhor achou que não valia a pena. A alma de Sigefredo
também não manifestou interesse em voltar para ele. Dir-se-ia que aprendera a
viver por conta própria, e mesmo naquele estado era independente.
Sigefredo passou por sua
alma sem cumprimentá-la, entrou no bar e pediu o drinque habitual. Ao sair, viu
a alma, a pequena distância, dar alguns passos e lhe saírem dos ombros duas
asas, com que ela se alteou, voando para a Zona Norte.
in “Contos Plausíveis”
Imagem: Carlos Drummond de Andrade - pintura de Cândido Portinari.
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