ALEXANDRE O'NEILL
(Lisboa, Portugal, 1924
- 1986)
Poeta
***
NÃO DEIXES QUE METAM O NARIZ NA TUA VIDA
Quando falas ou simulas
falar de ti próprio e amalgamas passado, presente, futuro, há sempre os que
perguntam se o que contaste é verdade ou não. Nunca indagam se vai ser
verdade. O que lhes interessa é saber, com a curiosidade dos intriguistas, se o
que se passou (ou parece ter-se passado) se passou mesmo contigo. É um
erro de gente vulgar. Parasitários ou não, qualquer invenção ou patranha,
qualquer «mentir verdadeiro» é acepipe biográfico, é pretexto para te
enfileirarem na nulidade biográfica que é a deles próprios e tecerem
incansavelmente histórias a teu respeito.
Não te deixes seduzir pelo gosto da conversa. Essa pequena gente não merece a
mais pequena atenção, nem tu precisas de espectadores para o salutar exercício
diário de falar por falar.
(...) Não deixes que metam o nariz na tua vida. Caso contrário, vais ficar
cheio de gente, com a sua vida escassamente interessante. O tombo da vida
vulgar já foi feito por escritores como Camilo. E tenho a impressão de que, no
essencial, a vida vulgar continua a mesma.
Desunha-te a escrever (olha que já tens pouco tempo!), mas fá-lo com a
discrição e a reserva de quem não se dá às primeiras. É outro exercício
salutar.
in "Uma Coisa em Forma de Assim"
Desunha-te a escrever (olha que já tens pouco tempo!), mas fá-lo com a discrição e a reserva de quem não se dá às primeiras. É outro exercício salutar.
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