domingo, 27 de janeiro de 2019

AUGUSTO ABELAIRA - Quem era na verdade, FERNANDO PESSOA? (II)


AUGUSTO ABELAIRA
(Coimbra, Portugal, 1926 - Lisboa, 2003)
                  Dramaturgo, tradutor, jornalista     

***

         QUEM ERA NA VERDADE, FERNANDO PESSOA? (II)

 (continuação)

É claro que se quis dizer isso tudo e muito mais. E muito menos também, porque postas as coisas naquele pé, não iríamos talvez parar muito longe. (Sejamos sinceros: Não é que não pudéssemos chegar a resultados interessantes. Confessemos honestamente: não nos convêm, por agora).

a)   Perigoso, digo eu, observar Pessoa pelo que ele próprio diz de si. Perigoso, mas não desprezível, acrescentarei. «Por muito que um homem aprenda, nunca aprende a ser quem não é» diz ele algures. E verdade (pelo menos em parte, porque sem dúvida o homem que não aprendeu a ser quem não é, pode no entanto virar do avesso aquilo que é – por contraste ao que é).

Por isso mesmo, acrescentarei: Pode dar-se o caso de Fernando Pessoa não mistificar e no entanto não dizer aquilo que é, pelo simples facto de sinceramente dizer aquilo que julga ser. Daqui, que a própria sinceridade de Pessoa nos possa enganar.

      b) - Seria interessante, sem dúvida, ver o que ele diz
dos outros. Certamente que estudando os outros, os outros
seriam o que ele quisesse que fossem, isto é: personalidades heterónimas. Faria deles o que faz da História nas suas sociológicas considerações, em que às duas por três acaba por se esquecer completamente da História objectiva, para ver nela o que lhe convém para a demonstração do que pretende – (o que aliás sucede talvez com todos os historiadores, sejam eles gregos ou troianos, comentará o leitor; e eu não terei outro remédio senão baixar a cabeça.

Mas não haverá em Pessoa mais subjectivismo – pelo menos um subjectivismo mais consciente – que nos historiadores vulgares e não vulgares)? «A inteligência dispersa-nos» diz. De modo que, quando Pessoa inteligenciasse acerca dos outros, dispersar-se-ia. Ver-se-ia em cada um dos outros, um dos estractos da sua dispersão. O pior, o pior, é que Pessoa nunca se dá ao trabalho de fingir, sequer, que fala dos outros…    

c)   - E que diz ele dos problemas em geral? Sim, não há dúvida que reside aqui o seu forte (como ensaísta). E não há dúvidas também que era aqui que me convinha chegar. Mas não se vá pensar que vou interpretar o que ele diz, sistematizar suas ideias, ordená-las em premissa maior e premissa menor e depois concluir: Fernando Pessoa é isto assim e assado.

Não. Contra o costume – nestes casos – não pretenderei fazer um sistema das ideias de Pessoa. Antes muito pelo contrário irei dizer que espírito e sistema é coisa que não existe nele e que se há alguma coisa que eu lhe veja é pura e simplesmente falta de convicções, pura incoerência. 

(continua)



in ‘Mundo Literário – Semanário de Crítica e Informação Literária, Científica e Artística’ – 1947










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