quarta-feira, 28 de março de 2018

MÁRIO VIEGAS - Clarividência fulminante


MÁRIO VIEGAS
(Santarém, Portugal, 1948 — Lisboa, 1996)
Actor, encenador, declamador

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Mário Viegas - Clarividência fulminante


O grande provocador seria, pelo seu talento, lucidez, audácia, desapossamento, Mário Viegas. Actor, encenador, declamador, criador de génio sucumbiu na década de 90 (aos 48 anos) de doença, de desamor, de desesperança, de desespero. (…)

Preserva com ferocidade as hierarquias e o valor individual:

«Nunca gostei de elencos por ordem alfabética ou de entrada em cena. A Maria Cachucha não é a mesma coisa que a Amélia Rey Colaço, o Zé da Esquina não é a mesma coisa que o Alves da Cunha. Quando se põem, por exemplo, actores a vender bilhetes e cafés, tira-se-lhes o mistério. Isso faz muito mal ao teatro. As pessoas respeitam-me porque não me vêem em chachadas dessas, não me vêem em telenovelas nem em concursos, nem a fazer publicidade.»

Manter os valores escolhidos (plasmados em interpretações como O suicidário, Ubu, Baal, À espera de Godot) faz-se-lhe motivo de apaziguamento: 

«Não é em vão que uma pessoa se abandalha, se comercializa…se se pensa que o que é preciso é ganhar o nosso, que é tudo a mesma coisa, que não há ética nem princípios, acaba por se criar má consciência, mesmo que se tenha muito dinheiro no banco.»

Aterrado com a boçalidade mercantilista que o emerge, torna-se dos primeiros a denunciar, entre nós, o nivelamento que, a coberto da democracia, «achincalha tudo, faz tábua rasa de tudo. Parece que se instalou uma central secreta para destruir a nossa literatura, as nossas artes, o nosso convívio, os nossos afectos… essa central tem uns escribas nos órgãos de informação que estão a fazer um péssimo trabalho. Há da sua parte verdadeira xenofobia, verdadeiro racismo contra o que é português. Julgam sem conhecer. Um novo fascismo está a germinar na democracia!»

De clarividência fulminante, acolhia-se àqueles de quem gostava, por isso gostava de tão poucos, como a entidades de ansiada protecção.
Foi um dos portugueses que mais riu, feriu, se feriu entre nós.




in”Nascido no Estado Novo” - FERNANDO DACOSTA -(Caxito, Angola, 1945), romancista, dramaturgo, jornalista.


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