RENÉ CHAR
(França, 1907 - 1988)
Poeta
***
Comunhão
formal
A imaginação consiste em
expulsar da realidade várias pessoas incompletas utilizando as potências
mágicas e subconscientes do desejo, para obter o seu retorno sob a forma duma
presença inteiramente satisfatória. E é então que nos encontramos no
inextinguível real incriado.
•
O que faz sofrer mais o
poeta nas suas relações com o mundo é a falta de justiça interna. O vidro-cloaca de Caliban por detrás do qual os olhos todo-poderosos
e sensíveis de Ariel se irritam.
•
O poeta transforma
indiferentemente a derrota em vitória, a vitória em derrota, imperador
pré-natal unicamente preocupado com a colheita do azul.
•
Mago da insegurança, o
poeta só tem satisfações adoptivas. Cinza sempre inacabada.
•
O poeta deve manter a
balança igual entre o mundo físico da vigília e o à-vontade terrível do sonho,
de modo que as linhas do conhecimento nas quais deita o corpo subtil do poema
vão indistintamente dum ao outro destes estados diferentes de vida .
•
O poema é sempre nupcial.
•
Homem da chuva e do bom
tempo, as tuas mãos de derrota e de progresso são-me igualmente necessárias. O
poeta é o homem da estabilidade unilateral.
•
O
poema emerge duma imposição subjectiva e duma escolha objectiva.
O poema é um conjunto em
movimento de valores originais determinantes em relações contemporâneas com
alguém que esta circunstância tomou inicial.
•
O poema é o amor realizado
do desejo que não finda.
•
Um
ser que se ignora é um ser infinito, susceptível com a sua intervenção de mudar
a nossa angústia e o nosso fardo em aurora arterial.
Entre inocência e
conhecimento, amor e nada, o poeta estende a sua saúde todos os dias.
•
O poeta é a génese dum ser
que projecta e dum ser que retém. Ao amante pede o vazio, à bem-amada a luz.
Este par formal, esta dupla sentinela, dão-lhe pateticamente a sua voz .
•
Cada um vive até ao
crepúsculo que completa o amor. Sob a harmoniosa autoridade dum prodígio comum
a todos, o destino particular cumpre-se até à solidão, até ao oráculo .
•
Convém à poesia ser
inseparável do previsível. Do previsível não formulado ainda.
•
E da vossa necessidade e
da vossa volúpia apenas que depende que eu tenha ou não o Rosto da comunicação
.
•
No
limiar da inércia, o poeta constrói como a aranha a sua estrada no ar. Em parte
oculto a si mesmo, aparece aos outros, nos raios do seu singular ardil,
mortalmente visível.
Ser poeta é ter o apetite
por uma angústia que ao consumar-se, entre os turbilhões das coisas existentes
e pressentidas, provoca, no momento de se encerrar, a felicidade.
in “Seuls Demeurent -1945”-
in “Árvore – folhas de poesia” - 1951
Tradução:
António Ramos Rosa
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