sábado, 31 de março de 2018

O RIO EGOCÊNTRICO


O rio egocêntrico

O rio era caudaloso e fluido. Deslizava rodeando habilmente os obstáculos, sem que nada pudesse travar o seu curso.
Atravessou vales, gargantas, bosques, selvas e desfiladeiros. Imparável, seguia o seu curso. Mas, de súbito, chegou ao deserto e as suas águas começaram a desaparecer na areia. O rio ficou espantado. Não havia forma de atravessar o deserto e desejava desaguar noutro rio. O que fazer? Cada vez que as suas águas chegavam à areia, esta engoli-as. Será que não havia forma de atravessar o deserto? Então, ouviu uma misteriosa voz que dizia:

- Se o vento atravessa o deserto, tu também podes fazê-lo.

- Mas como? - perguntou o rio, desconcertado.

- Permite que o vento te absorva. Diluir-te-ás nele e, depois, choverás para além das areias. Lá formar-se-á outro rio e este desaguará noutro maior.

- Mas continuarei a ser eu? – perguntou o rio angustiado, temendo perder a sua identidade.

- Serás tu e não serás tu. Serás a água que chova, que é a essência, mas o rio será outro.

- Então recuso-me a fazer isso. Não quero deixar de ser eu!

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Em qualquer ser humano está a essência e a personalidade, o eu-real e o eu-social, o ser e o ego. A essência é transpessoal, o ego, porém, é pessoal e nasce do vínculo com o corpo, do aparelho psíquico, dos apegos, das aversões e de outros factores. 

O ego dominante renega a ideia do seu desvanecimento, mas quando o ego vai minguando graças ao trabalho interior que desencadeia a consciência clara e a compreensão profunda, vai perdendo o medo à ideia da sua dissolução, já que a pessoa vive mais do ser do que da sua burocracia egocêntrica.



in “Os melhores contos espirituais do Oriente” – Ramiro Calle 











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