SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
(Porto, Portugal, 1919 — Lisboa, 2004)
Poetisa
***
Carta a Jorge de Sena*
I
Não és navegador mas emigrante
Não és navegador mas emigrante
Legítimo
português de novecentos
Levaste
contigo os teus e levaste
Sonhos
fúrias trabalhos e saudade;
Moraste
dia por dia a tua ausência
No
mais profundo fundo das profundas
Cavernas altas onde o
estar se esconde
II
E
agora chega a notícia que morreste
E algo se desloca em nossa
vida
III
Há
muito estavas longe
Mas
vinham cartas poemas e notícias
E
pensávamos que sempre voltarias
Enquanto
amigos teus aqui te esperassem —
E
assim às vezes chegavas da terra estrangeira
Não
como filho pródigo mas como irmão prudente
E
ríamos e falávamos em redor da mesa
E
tiniam talheres loiças e vidros
Como se tudo na chegada se
alegrasse
Trazias
contigo um certo ar de capitão de tempestades
-
Grandioso vencedor e tão amargo vencido -
E
havia avidez azáfama e pressa
No
desejo de suprir anos de distância em horas de conversa
E havia uma veemente
emoção em tua grave amizade
E
em redor da mesa celebrávamos a festa
Do instante que brilhava
entre frutos e rostos
IV
E
agora chega a notícia que morreste
A morte vem como nenhuma
carta
*Poema escrito depois da morte de Jorge de Sena em Maio de 1978.
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