sábado, 17 de março de 2018

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - Carta a Jorge de Sena



SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
(Porto, Portugal, 1919 — Lisboa, 2004)
Poetisa

***
Carta a Jorge de Sena*
                    
                       I
Não és navegador mas emigrante
Legítimo português de novecentos
Levaste contigo os teus e levaste
Sonhos fúrias trabalhos e saudade;
Moraste dia por dia a tua ausência
No mais profundo fundo das profundas
Cavernas altas onde o estar se esconde

                     II

E agora chega a notícia que morreste
E algo se desloca em nossa vida
                    
                      III

Há muito estavas longe
Mas vinham cartas poemas e notícias
E pensávamos que sempre voltarias
Enquanto amigos teus aqui te esperassem —
E assim às vezes chegavas da terra estrangeira
Não como filho pródigo mas como irmão prudente
E ríamos e falávamos em redor da mesa
E tiniam talheres loiças e vidros
Como se tudo na chegada se alegrasse
Trazias contigo um certo ar de capitão de tempestades
- Grandioso vencedor e tão amargo vencido -
E havia avidez azáfama e pressa
No desejo de suprir anos de distância em horas de conversa
E havia uma veemente emoção em tua grave amizade
E em redor da mesa celebrávamos a festa
Do instante que brilhava entre frutos e rostos
                   
                     IV

E agora chega a notícia que morreste
A morte vem como nenhuma carta



*Poema escrito depois da morte de Jorge de Sena em Maio de 1978.




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