AUGUSTO ABELAIRA
(Coimbra, Portugal, 1926 - Lisboa, 2003)
Dramaturgo,
tradutor, jornalista
***
QUEM ERA NA VERDADE, FERNANDO PESSOA? (VII)
É
claro: Não é impunemente que quem quer que seja (sobretudo se dotado de uma tão
ágil inteligência como a de Pessoa), vive sem convicções, sem pontos de apoio,
sem chaves (por muito falsas que
sejam).
Fernando
Pessoa sabia-o e se, por um lado ia sentindo – perante si próprio – a situação
insustentável, outro aspecto se lhe deveria pôr: o dos outros. Que pensariam os
outros dum homem que hoje diz uma coisa e amanhã outra?
E eis Pessoa a nos iludir a todos (e porventura a iludir-se a si): cria Álvaro de Campos, Caeiro e Ricardo Reis (não pela necessidade de fingir, como o supõe Casais Monteiro, mas porque é sincero dentro da sua contraditoriedade) e afirma que eles é que pensam A, B e C, enquanto que ele, Pessoa, pensa sempre, mais ou menos D. (Um tanto inconscientemente, Pessoa distinguia que era preciso mostrar aos outros – e por comodidade, também talvez a si – uma chapa.
E eis Pessoa a nos iludir a todos (e porventura a iludir-se a si): cria Álvaro de Campos, Caeiro e Ricardo Reis (não pela necessidade de fingir, como o supõe Casais Monteiro, mas porque é sincero dentro da sua contraditoriedade) e afirma que eles é que pensam A, B e C, enquanto que ele, Pessoa, pensa sempre, mais ou menos D. (Um tanto inconscientemente, Pessoa distinguia que era preciso mostrar aos outros – e por comodidade, também talvez a si – uma chapa.
Por isso, como Pessoa, adopta ou faz adoptar, uma atitude, mostra uma convicção
– porque entende que os homens são capazes de admitir convicções que eles
considerem erradas, mas o que não admitem é que se seja desprovido delas). E
então dá-nos a entender que ele é uma coisa, os outros (Caeiro, Reis e Campos) outra. Que o Álvaro de Campos, por
exemplo, até o irrita…
(continua)
in “Mundo Literário” – Semanário de Crítica e
Informação Literária, Científica e Artística – 1947
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