domingo, 3 de março de 2019

AUGUSTO ABELAIRA - Quem era na verdade, Fernando Pessoa? (VII)


AUGUSTO ABELAIRA
(Coimbra, Portugal, 1926 - Lisboa, 2003)
                  Dramaturgo, tradutor, jornalista     

***

QUEM ERA NA VERDADE, FERNANDO PESSOA? (VII)

É claro: Não é impunemente que quem quer que seja (sobretudo se dotado de uma tão ágil inteligência como a de Pessoa), vive sem convicções, sem pontos de apoio, sem chaves (por muito falsas que sejam).

Fernando Pessoa sabia-o e se, por um lado ia sentindo – perante si próprio – a situação insustentável, outro aspecto se lhe deveria pôr: o dos outros. Que pensariam os outros dum homem que hoje diz uma coisa e amanhã outra? 

E eis Pessoa a nos iludir a todos (e porventura a iludir-se a si): cria Álvaro de Campos, Caeiro e Ricardo Reis (não pela necessidade de fingir, como o supõe Casais Monteiro, mas porque é sincero dentro da sua contraditoriedade) e afirma que eles é que pensam A, B e C, enquanto que ele, Pessoa, pensa sempre, mais ou menos D. (Um tanto inconscientemente, Pessoa distinguia que era preciso mostrar aos outros – e por comodidade, também talvez a si – uma chapa

Por isso, como Pessoa, adopta ou faz adoptar, uma atitude, mostra uma convicção – porque entende que os homens são capazes de admitir convicções que eles considerem erradas, mas o que não admitem é que se seja desprovido delas). E então dá-nos a entender que ele é uma coisa, os outros (Caeiro, Reis e Campos) outra. Que o Álvaro de Campos, por exemplo, até o irrita…

(continua) 



in “Mundo Literário” – Semanário de Crítica e Informação Literária, Científica e Artística – 1947 




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