EÇA DE QUEIROZ
(Portugal, 1845 - França, 1900)
Escritor
***
OS
JUÍZOS LIGEIROS DA IMPRENSA
Incontestavelmente foi a
imprensa, com a sua maneira superficial e leviana de tudo julgar e decidir, que
mais concorreu para dar ao nosso tempo o funesto e já irradicável hábito dos
juízos ligeiros.
Em todos os séculos se
improvisaram estouvadamente opiniões: em nenhum, porém, como no nosso, essa
improvisação impudente se tornou a operação corrente e natural do entendimento.
Com excepção de alguns filósofos mais metódicos, ou de alguns devotos mais
escrupulosos, todos nós hoje nos desabituamos, ou antes nos desembaraçamos
alegremente do penoso trabalho de reflectir.
É com impressões que
formamos as nossas conclusões. Para louvar ou condenar em política o facto mais
complexo, e onde entrem factores múltiplos que mais necessitem de análise, nós
largamente nos contentamos com um boato escutado a uma esquina. Para apreciar
em literatura o livro mais profundo, apenas nos basta folhear aqui e além uma
página, através do fumo ondeante do charuto.
O método do velho Cuvier,
de julgar o mastodonte pelo osso, é o que adoptamos, com magnífica
inconsciência, para decidir sobre os homens e sobre as obras. Principalmente
para condenar, a nossa ligeireza é fulminante.
Com que esplêndida facilidade
exclamamos, ou se trate de um estadista, ou se trate de um artista: «É uma
besta! É um maroto!» Para exclamar: «É um génio!» ou «É um santo!», oferecemos
naturalmente mais resistência.
Mas ainda assim, quando
uma boa digestão e um fígado livre nos inclinam à benevolência risonha, também
concedemos prontamente, e só com lançar um olhar distraído sobre o eleito, a
coroa de louros ou a auréola de luz.
in
“Cartas de Paris” (Citador)
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