Queixa e Imprecações dum Condenado à Morte
Por existir me cegam,
Me estrangulam,Me julgam,
Me condenam,
Me esfacelam.
Por me sonhar em vez de ser me insultam,
Por não dormir me culpam
E me dão o silêncio por carrasco
E a solidão por cela.
Por lhes falar, proíbem-me as palavras,
Por lhes doer, censuram-me o desejo
E marcam-me o destino a vergastadas
Pois não ousam morder o meu corpo de beijos.
Passo a passo os encontro no
caminho
Que os deuses e o sangue me
traçaram.E negando-me, bebem do meu vinho
E roubam um lugar na minha cama
E comem deste pão que as minhas mãos infames amassaram.
Com angústia e com lama.
Passo a passo os encontro no
caminho.
Mas eu sigo sozinho!Dono dos ventos que me arremessaram,
Senhor dos tempos que me destruíram,
Herói dos homens que me derrubaram,
Macho das coisas que me possuíram.
Andando entre eles invento as
passadas
Que hão-de em triunfo conduzir-me
à morteE as horas que sei que me estão contadas,
Deslumbram-me e correm, sem que isso me importe.
Sou eu que me chamo nas vozes que
oiço,
Sou eu quem se ri nos dentes que
ranjo,Sou eu quem me corto a mim mesmo o pescoço,
Sou eu que sou doido, sou eu que sou anjo.
Sou eu que passeio as correntes e
as asas
Por sobre as cidades que vou
destruindo,Sou eu o incêndio que lhes devora as casas,
O ladrão que entra quando estão dormindo.
Sou eu quem de noite lhes
perturba o sono,
Lhes frustra o amor, lhes aperta
a garganta.Sou eu que os enforco numa corda de sonho
Que apodrece e cai mal o sol se levanta.
Sou eu quem de dia lhes cicia o
tédio,
O tédio que pensam, que bebem e
comem,O tédio de serem sem nenhum remédio
A perfeita imagem do que for um homem.
Sou eu que partindo aos poucos
lhes deixo
Uma herança de pragas e animais
nocivos.Sou eu que morrendo lhes segredo o horror
de serem inúteis e ficarem vivos.
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