ALMEIDA GARRETT
(Porto,
Portugal, 1799 – Lisboa, 1854)
Poeta,
dramaturgo e orador
Permitam-me uns breves e
rápidos traços do grande poeta, que a Comédia
Portuguesa tem hoje a honra de comemorar como um dos maiores vultos da
literatura portuguesa. Garrett, é vergonha dizê-lo, é hoje quase um esquecido,
ainda num meio tão abundante de poetastros ocos contemporâneos e de
literatelhos de refugo, erguidos na mediania dum critério soez, a grandes
homens, a artistas geniais, a sumos pontífices da prosa e do verso.
Mas o que é pior é que uma
geração de decadentes, de invejosos cheios de ambição, de nulos cheios de
prosápia, ou de ignorantes impados da natural ousadia da ignorância, os aceita
e aclama.
Neste meio medram e
frutificam, criando-se um mundo especial, de elogio mútuo, arrastando na cauda
fátua da sua órbita, os crentes ingénuos, os desprevenidos, os simples.
Ninguém o desconhece: é o
poeta fulano, o jornalista sicrano, o filósofo A, o pensador B, o pedagogista
C, o romancista D… raça de ignorantes que esbarrou no primeiro ano das
matemáticas ante o tenebroso enredo das operações com quebrados, ou baqueou de
impotência ante a confecção dum período latino com menos de seis tolices por
linha.
Derivando na lógica das
consequências para os domínios vedados ao código, arremeteram com a arte, onde
explodiram grandiosos e pertencem-lhe os melhores proventos, dispõem de
reputações, criticam de papo, alcançam glórias, sobem, trepam!
Todos lhe sabemos os nomes
e se receamos muitas vezes feri-los é porque o cardume é enorme e se não
conseguem vencer na luta com as ferroadas do despeito cansam pela quantidade,
pela insistência, pela audácia e é fácil perder a paciência ainda que se não
perca a razão!
A par disto há um jornal
que tem, há seis meses, aberta uma subscrição para uma estátua a Almeida
Garrett e essa subscrição atingiu, em três dias, a fabulosa soma em que parou,
até hoje, de 51 réis. É revoltante, ignominioso, inacreditável!
A Comédia Portuguesa protesta em nome do bom senso, da justiça, da
dignidade e da altivez da crítica, em nome da parte sensata e honesta dos
homens de letras, contra essa ignorância pretensiosa, contra esse pedantismo da
mediocridade incensada, contra essa estupidez com foros de valia armada de
ingratidões audazes, dedicando o número presente, à memória do grande literato
português, grande entre os maiores, bravo soldado, político consumado, poeta
extraordinário, profundo erudito, dramaturgo eminente.
É magnífica a lista das
obras do grande poeta: Mérope, Catão,
Camões, Cancioneiro, Líricas de João Mínimo, O Arco de Santana, A sobrinha do
Marquês, O Alfageme de Santarém, Frei Luís de Sousa, Folhas Caídas, Viagens na
Minha Terra, Portugal na Balança da Europa.
Aumente-se na sua obra os
seus magníficos discursos parlamentares e veja-se a grandeza do gigante que
libertou a literatura do classicismo atrofiador, que foi o grande
revolucionário, o reformador, como poeta e como romancista, que criou o moderno
teatro português enriquecendo-o com o Frei Luís de Sousa, essa obra que no
dizer de Teófilo Braga é “apenas o primor único na história de todas as
literaturas dramáticas conhecidas".
Que admira que Portugal
concorra para a estátua deste homem com 5 réis?
O contrário é que seria
estranho! Garretts não nos faltam. É ir ao Martinho e escolher a dedo. Há-os
por lá aos pares. E então nas redacções dos periódicos? e nas secretarias? Como
cogumelos… e crescem e aparecem de chofre, como os supraditos em noite de orvalho.
Permitam-nos a franqueza e
leiam-no como nós fizemos; temos a certeza de que lhe crescerá a glória, mesmo
que não aumente a subscrição para a estátua.
E depois os grandes
artistas não precisam de estátuas. Vivem no panteão da sua obra, onde irá depor
eternamente o coração de todo o artista que ali penetrar às homenagens íntimas
dos sinceros afectos e das lágrimas agradecidas.
Tudo o mais é banal e
inútil.
in “A Comédia Portuguesa” - Crónica semanal de costumes, casos, política, artes e letras - 1889
Imagem: litografia de Almeida Garrett por Pedro Augusto
Guglielmi (Biblioteca Nacional de Portugal).