quinta-feira, 16 de março de 2017

A FELICIDADE





A FELICIDADE


Quem pôde, neste mundo, até hoje definir a felicidade? Desde que a atenção do homem se concentrou da natureza visível para a natureza interior, a ciência, a poesia, a religião, debruçadas sobre o coração humano, revolvem o impenetrável problema, esgotando em vão a sagacidade, a inspiração, a eloquência. 

Todas as influências que compõem a alma contraditória do homem, que o obscurecem, ou explicam, que o regeneram, ou degradam, os sentimentos que fortalecem, ou deprimem, os que criam, ou destroem, os que repelem, ou encantam, vão passando sucessivamente pelo fundo misterioso do vaso, onde a humanidade bebe, desde o princípio de sua criação, a ambrósia e o fel. 

E a eterna interrogação continua a preocupar eternamente as cabeças, que meditam, as imaginações, que cismam: onde está a felicidade? No amor ou na indiferença? Na obediência, ou no poder? no orgulho, ou na humildade? Na investigação, ou na fé? Na celebridade, ou no esquecimento? Na nudez, ou na prosperidade? Na ambição, ou no sacrifício? Risível pretensão fôra a minha, se me propusesse a entrar com uma fórmula nova na multidão inumerável dos escavadores deste enigma. 

Não passa de uma impressão pessoal a que vos traduzo, dizendo-vos em uma palavra a minha maneira de interpretar o grande segredo. A meu ver, a felicidade está na doçura do bem, distribuído sem ideia de remuneração. Ou, por outra, sob uma fórmula mais precisa, a nossa felicidade consiste no sentimento da felicidade alheia, generosamente criada por um acto nosso.



RUY BARBOSA (Bahia, Brasil, 1849 – Rio de Janeiro, 1923),
escritor, jornalista, jurista, político, ensaísta e orador.


in “ARGUS – Revista mensal ilustrada” - 1907

Imagem: pintura de Carlos Calvet (Lisboa,  Portugal, 1928 -  2014)



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