terça-feira, 28 de março de 2017

ALMEIDA GARRETT





ALMEIDA GARRETT
(Porto, Portugal, 1799 – Lisboa, 1854)

Poeta, dramaturgo e orador


Permitam-me uns breves e rápidos traços do grande poeta, que a Comédia Portuguesa tem hoje a honra de comemorar como um dos maiores vultos da literatura portuguesa. Garrett, é vergonha dizê-lo, é hoje quase um esquecido, ainda num meio tão abundante de poetastros ocos contemporâneos e de literatelhos de refugo, erguidos na mediania dum critério soez, a grandes homens, a artistas geniais, a sumos pontífices da prosa e do verso.

Mas o que é pior é que uma geração de decadentes, de invejosos cheios de ambição, de nulos cheios de prosápia, ou de ignorantes impados da natural ousadia da ignorância, os aceita e aclama.
Neste meio medram e frutificam, criando-se um mundo especial, de elogio mútuo, arrastando na cauda fátua da sua órbita, os crentes ingénuos, os desprevenidos, os simples.

Ninguém o desconhece: é o poeta fulano, o jornalista sicrano, o filósofo A, o pensador B, o pedagogista C, o romancista D… raça de ignorantes que esbarrou no primeiro ano das matemáticas ante o tenebroso enredo das operações com quebrados, ou baqueou de impotência ante a confecção dum período latino com menos de seis tolices por linha.

Derivando na lógica das consequências para os domínios vedados ao código, arremeteram com a arte, onde explodiram grandiosos e pertencem-lhe os melhores proventos, dispõem de reputações, criticam de papo, alcançam glórias, sobem, trepam!
Todos lhe sabemos os nomes e se receamos muitas vezes feri-los é porque o cardume é enorme e se não conseguem vencer na luta com as ferroadas do despeito cansam pela quantidade, pela insistência, pela audácia e é fácil perder a paciência ainda que se não perca a razão!

A par disto há um jornal que tem, há seis meses, aberta uma subscrição para uma estátua a Almeida Garrett e essa subscrição atingiu, em três dias, a fabulosa soma em que parou, até hoje, de 51 réis. É revoltante, ignominioso, inacreditável!

A Comédia Portuguesa protesta em nome do bom senso, da justiça, da dignidade e da altivez da crítica, em nome da parte sensata e honesta dos homens de letras, contra essa ignorância pretensiosa, contra esse pedantismo da mediocridade incensada, contra essa estupidez com foros de valia armada de ingratidões audazes, dedicando o número presente, à memória do grande literato português, grande entre os maiores, bravo soldado, político consumado, poeta extraordinário, profundo erudito, dramaturgo eminente.

É magnífica a lista das obras do grande poeta: Mérope, Catão, Camões, Cancioneiro, Líricas de João Mínimo, O Arco de Santana, A sobrinha do Marquês, O Alfageme de Santarém, Frei Luís de Sousa, Folhas Caídas, Viagens na Minha Terra, Portugal na Balança da Europa.

Aumente-se na sua obra os seus magníficos discursos parlamentares e veja-se a grandeza do gigante que libertou a literatura do classicismo atrofiador, que foi o grande revolucionário, o reformador, como poeta e como romancista, que criou o moderno teatro português enriquecendo-o com o Frei Luís de Sousa, essa obra que no dizer de Teófilo Braga é “apenas o primor único na história de todas as literaturas dramáticas conhecidas".

Que admira que Portugal concorra para a estátua deste homem com 5 réis?
O contrário é que seria estranho! Garretts não nos faltam. É ir ao Martinho e escolher a dedo. Há-os por lá aos pares. E então nas redacções dos periódicos? e nas secretarias? Como cogumelos… e crescem e aparecem de chofre, como os supraditos em noite de orvalho.

Permitam-nos a franqueza e leiam-no como nós fizemos; temos a certeza de que lhe crescerá a glória, mesmo que não aumente a subscrição para a estátua.
E depois os grandes artistas não precisam de estátuas. Vivem no panteão da sua obra, onde irá depor eternamente o coração de todo o artista que ali penetrar às homenagens íntimas dos sinceros afectos e das lágrimas agradecidas.
Tudo o mais é banal e inútil.



in “A Comédia Portuguesa” - Crónica semanal de costumes, casos, política, artes e letras - 1889

Imagem: litografia de Almeida Garrett por Pedro Augusto Guglielmi (Biblioteca Nacional de Portugal).




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