EDUARDO LOURENÇO
(São Pedro de Rio Seco, Almeida, Portugal, 1923),
Professor e filósofo português.
ESFINGE
OU A POESIA
(…)
A
cada hora o mundo é o que fazemos dele. A história o que fizermos dela. E os
valores. E os encontros. Impossível aceitar como Édipo que tudo está feito só
porque descobrimos a fórmula que permite que tudo se faça.
Tudo
se está fazendo. Se cruzamos os braços, as coisas e as ideias voltam ao caos, e
os fantasmas da necessidade e da morte adquirem novo alento pela nossa
desistência. Era indecente que um só tivesse carregado a cruz uma só vez. O
cristão sabe que deve levá-la todos os dias. A cada hora basta a sua pena, mas
cada hora precisa duma dor nossa para se sentir acordada.
A Esfinge não é um enigma
resolvido nem a resolver nos séculos futuros. A Poesia não é uma árvore morta
nem a fazer florir nas colinas de amanhã. E a resolução que damos à história, aos
encontros, às promessas de cada vez que consentimos descer das palavras à
dificuldade dos actos. Ou subimos dos actos à corola mágica das palavras com que
os arrancamos à certa desolação do tempo e da morte.
Como na hora em que
concebemos a Esfinge para nos tocarmos melhor, continuamos sendo aqueles que
procuram danadamente uma autêntica face de homem, uma existência em busca duma
essência. Ou uma essência descontente de si mesma buscando-se entre
possibilidades múltiplas de existir. Por isso sabemos hoje que não teremos uma face
diferente daquilo que fizermos. Mas fazer de novo é continuar a criação e criar
é ser poeta. O que significa finalmente não ter outro rosto senão o que a
Poesia nos modelar.
in “Árvore: folhas de
poesia” – 1951
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