AS PALAVRAS
Redacção de uma menina de
Lisboa, de nome Mariana, aluna da quarta classe de um estabelecimento de ensino
dirigido por religiosas.
Há
palavras boas e palavras más, palavras bonitas e palavras feias. A palavra
Portugal é muito bonita, mas palavra Trancos não é. Há palavras que não dão com
as coisas para que servem, Lua, por exemplo, dá, não podia ser outro nome
porque não era essa coisa, mas caderno não dá. Lembra inverno e inferno e os
cadernos dependem, nem todos são horríveis, só o de matemática para mim. Folha
também dá para coisas de mais, tem de ser folha disto e daquilo, do livro, da
árvore, e de flandres, senão não se sabe, não se pode ser folha sozinho.
As
palavras também servem para dizer e consolar ou sofrer. Essas não são uma a uma,
como as que eu escrevi antes, são em frases, isto é, todas de seguida.
Boa,
por exemplo, é uma palavra boa, parece macia, mas se a pessoa nos diz «a menina
não é boa», a abanar a cabeça, isso pode afligir muito. Há palavras que postas
assim saem ao contrário – por exemplo, fresca. Se for fruta é bom, se for para
pessoas não. A palavra triste, por exemplo, é uma palavra azul, porque quase
todas as palavras têm cores, e parece que está a pedir que se calem e a palavra
riso é amarela, só por si não dá para a gente se rir. A palavra mãe é grosso de
mais para o que é e a palavra pai é muito clara e leve de mais.
E agora vou inventar a
palavra desinteligente que é o que eu acho que sou por causa da confusão que me
fazem as palavras e de estar sempre calada. A escrever as palavras são feitas
de letras e só se ouvem na cabeça. Fim.
Mariana
22/6/71
in “NOVAS CARTAS PORTUGUESAS”
de:
MARIA ISABEL BARRENO,
escritora (Lisboa, Portugal, 1939-2016).
MARIA TERESA HORTA, escritora e poetisa (Lisboa, 1937).
MARIA VELHO DA COSTA,
escritora (Lisboa, 1938).
Imagem: pintura de Maria
Izquierdo (México, 1902 – 1955).
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