GOMES LEAL
(Lisboa, Portugal, 1848 - 1921)
Poeta
e crítico literário
O
CONTO
O CONTO é uma das formas
mais belas da literatura. É depois do poema a mais literária, a mais
tradicional. Porque a História, elevando-se aos cimos gloriosos e talhados a
pique da Filosofia, tem um fim único a utilidade,
o ensinamento do Homem pelas grandezas e calamidades do Homem.
O Romance atirando para o
meio da rua, à luz do sol ou do gás, toda a roupa suja da vida privada, ao
rictus semibárbaro e banal desse cruel selvagem, a quem não tilintam as argolas
do nariz, e que se chama o Vulgo,
fazendo cócegas para a risada alvar, ou ladainhas tenebrosas para atrair o
humor lacrimal, aspirando ao reedificamento da alma pelas misérias da vida, e
pelo espectáculo servil do trivial,
- faz mesuras ao turíbulo da popularidade.
O Conto não. Sendo uma
velha forma de popular não tem ambições: e, sendo compreendido na mais alta
acepção artística, como foi por Poë e Nathaniel Hawtorne, foge à longa orelha
asinina do Vulgo, e ama a
impopularidade, como um teólogo um papirus
sacerdotal.
Foge às exclamações
canalhas, e ao juízo prudhomiano do sr. Respeitável Público, que usa as lunetas
d´oiro como um conselheiro.
É pela sua independência,
como o poema, que é mais artístico. É especialmente, pela sua despretensão de
utilidade, que é mais superior, menos humano.
- É como uma agulheta de
neve que reflecte todas as glórias, todas as cambiantes do sol. Todas as
paixões e todas as cores. O soluço e a facada do escárnio: o pano negro duma
essa, e as cores vermelhas e altivas, como a ametista dum anel de um bispo.
O seu mérito é que pode
ser filosófico, como a História, tão dramático como o drama, fisiológico como o
romance, heróico como o poema, musical como uma ópera, moral como fabliau.
Todas as cambiantes lhe são
permitidas. Todos os tons, todas as flutuações da Alma. Todas as agonias, todos
os ritmos musicais. Todas as glórias, todas as decadências. Todas a belas nudezes,
todos os monstros. Todos os seios lácteos de ninfas, todas caudas de dragões, e
escamas de peixe. Todos os risos, todas as facadas. Todas as tentações, todas
as pompas da carne. Todas as alucinações, todas as nevroses. Todos os charcos,
todos os escarros luminosos. Todos os diamantes, todas as chagas.
Pode empregar,
impunemente, as insolentes metáforas e as extravagantes antíteses; o vermelho
dos cactos e as brancuras impecáveis das camélias: todos os efeitos de luz, e
todos os prestígios de sombras. Não têm a mesma liberdade o Romance e a
História.
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